quarta-feira, junho 02, 2004

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Deixemos, então, a Justiça continuar a trabalhar

O último dia do mês de Maio, foi para mim um dia de enorme contentamento. Exactamente na razão inversa do choque e da tristeza que senti num outro dia (se não estou em erro do mês de Maio do ano transacto). Conheço o Paulo Pedroso há mais de vinte anos. Desde, como se diz na gíria, "os bancos da universidade". Mais tarde fomos colegas da mesma equipa, como docentes, e fomos trocando conversa por onde nos encontrávamos. Como todas as pessoas que conheço e conhecem o Paulo, tenho por ele uma grande estima pessoal e uma enorme consideração intelectual. Como colega do mesmo ofício, como cidadão, como pessoa. O que sempre pensei sobre este caso foi que só se poderia tratar, como se não estou em erro o próprio Paulo em determinado momento referiu, de uma versão portuguesa, e actual, do célebre "affaire Dreyfus". A minha convicção pessoal profunda foi sempre esta. Apenas aqui mencionei este caso, uma vez, para subscrever, em absoluto, o que Augusto Santos Silva havia escrito no Público sobre esta matéria.

Mantem-se em mim a mesma posição, de concordância com o que havia escrito ASS, em relação a este assunto. O termo desta fase do processo, no que ao Paulo Pedroso concerne, deixou-me, portanto, um enorme contentamento. Mas deixou-me, também, uma enorme preocupação em relação ao sistema judicial do país. São múltiplas as questões que os cidadãos, nesta fase, se deverão colocar. Passo a enumerar apenas algumas: (i) Onde estão e quem são as "pessoas importantes e poderosas" que alguns responsáveis disseram estarem envolvidas neste processo? [A este propósito tenho ouvido nos media referenciar o Paulo Pedroso, como fazendo parte dos "poderosos". Não fosse o caso tão grave e lamentável e, certamente, o Paulo esboçaria um sorriso. Desde quando uma pessoa como o Paulo Pedroso, maugrado o facto de ter sido Ministro e Deputado, faz parte do universo dos "poderosos" deste país?] (ii) Onde está a "Rede" de que tanto se falou nos media, incluindo pela voz de altos responsáveis? (iii) Quem nos pode garantir que um sistema que errou grosseiramente, em diversas fases dos trâmites processuais, deste modo, não poderia ter voltado a errar e a levar a julgamento um inocente? (iv) Quem nos pode garantir que um sistema judicial, vulnerável a tal tipo de erros, não continua a errar, conduzindo, neste como noutros casos, inocentes para a cadeia e culpados para a liberdade? (v) Quem nos pode garantir que os verdadeiros criminosos que ao longo de décadas cometeram tão horrendos crimes serão integralmente descobertos, julgados e condenados? (vi) Quem nos pode garantir que as verdadeiras vítimas deste processo serão alguma vez ressarcidas (se tal é completamente possível, o que do ponto de vista humano, moral e psíquico, creio impossível)? (vii) Quem nos pode garantir que os responsáveis pelos erros judiciais crassos; os responsáveis pela insinuação torpe; os responsáveis pela difamação em praça pública, amplificada por alguns media, ao serviço sabe-se lá de quem e do quê; os responsáveis pela tentativa de homicídio político e, sobretudo, moral e psiquico, de um cidadão íntegro; Quem nos pode garantir que todos esses responsáveis serão justamente julgados e condenados, e que, assim sendo, podemos continuar a acreditar na frase feita de que "isto é a justiça a funcionar"?

Perante tudo o que a Justiça até agora evidenciou, neste processo, fico com sérias dúvidas e preocupações quanto à justeza desta Justiça, e se nela poderemos confiar, ao ponto de acreditar que este caso chega ao seu términus com a reparação possível, mas necessária, de todos os erros e injustiças cometidos pelos seus verdadeiros protagonistas, antes, (décadas e décadas antes) durante (o que até agora constitui o processo Casa Pia) e após o julgamento agora anunciado.

Não obstante, quero acreditar que isto não é, pelo contrário, a "injustiça a funcionar" e que, assim sendo, devemos todos desejar que a Justiça, agora, continue a trabalhar e siga os seus trâmites normais, revelando toda a verdade por detrás do manto diáfano que até ao presente tem pairado sobre este processo. Vamos, então, deixar a Justiça trabalhar e aguardar que justiça seja feita até ao fim.

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