sábado, maio 08, 2004

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Como de costume...concordo

com Augusto Santos Silva, que hoje refere no Público, quais as questões essenciais que devem ser colocadas sobre o affaire Casa Pia :

"A pior coisa que poderia suceder, e não apenas aos arguidos, também às instituições do Estado, seria ficar-se com a sensação de dúvida, de caso por concluir ou suspeita por confirmar. Por muito que custe, é preciso encontrar resposta a todas as perguntas que se foram colocando ao longo deste caso.
A primeira e essencial: que crimes se cometeram e quem os cometeu? O abuso sexual de crianças é uma coisa hedionda, ainda mais hedionda quando são crianças desvalidas e institucionalizadas. Quem o praticou merece castigo exemplar, não solidariedade, e cada um de nós que defende publicamente a inocência de qualquer arguido (como eu aqui fiz e repito em relação a Paulo Pedroso) sabe que empenha nisso a sua própria credibilidade. Mas precisamos todos de saber o valor das provas que fundamentam as acusações. E, tratando-se em boa parte de testemunhos, qual o crédito que merecem os seus autores. E, havendo claramente uma estratégia de criação de um "arrependido", Carlos Silvino, em que termos e por que razões jogará a justiça o seu jogo.
Esta é, porém, apenas a primeira das perguntas. Para cada um dos arguidos cuja inocência ficar demonstrada, teremos então de determinar quem o caluniou, e por que motivos, e a mando de quem. E o mesmo para os muitos que o Ministério Público não chegou a constituir como arguidos, mas foram vilmente caluniados - quem e porquê procurou envolvê-los num escândalo político-sexual.
E, depois, qualquer que seja o resultado da instrução e do julgamento, será tempo de reexaminar a investigação e o inquérito. Porque foram feitas aquelas escutas telefónicas e conservados aqueles materiais, anexadas aquelas cartas anónimas, usado aquele álbum fotográfico, porque foram colhidas tão poucas provas não testemunhais, porque foi concedido tanto valor a testes de personalidade tão rudimentares, etc., etc.. E a política de informação - será então altura de explicar a sucessão das fugas de informação e as violações do segredo de justiça, se houve ou não orquestração entre fontes do processo e meios de comunicação social para criar antecipadamente na opinião pública o sentimento de culpabilidade deste ou daquele indiciado. E poderemos enfim tentar desvendar outros mistérios, os silêncios de anos que se transformaram em fúria justiceira, os supostos amigos e técnicos de apoio às vítimas que afinal tinham tido oportunidade de conhecer e denunciar os abusos, no tempo devido, e se calaram.
Não estamos perante jogos florais de interpretações jurídicas entre ilustres magistrados, nem perante o sinistro triunfo dos poderosos sobre os justiceiros, nem perante as habilidades comparadas de advogados talentosos. Face aos dramas vividos, estas insinuações são repugnantes. A coisa também não é um enredo de telenovela, com o sofrimento, a ansiedade e o júbilo filmados em directo para deleite pornográfico da multidão. Devemos às vítimas, a todas as possíveis vítimas do processo Casa Pia - as vítimas de abusos sexuais, as vítimas de calúnia, as vítimas de crucificações mediáticas, as vítimas de operações de assassinato político e moral - devemos-lhes a procura da verdade. Da verdade dos factos, não dos preconceitos. Da verdade a que só se chega não tendo medo de colocar todas as perguntas. Para conseguirmos as respostas a que temos direito".


(Augusto Santos Silva)

[O texto completo pode ser lido aqui]

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