segunda-feira, maio 31, 2004

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A propósito da contratação milionária

Estou inteiramente de acordo com a chamada de atenção de Vital Moreira, para o escândalo da contratação do novo Director-Geral de Impostos. Não vou, por razões óbvias, discutir a questão do ponto de vista jurídico, nem sequer estritamente da sua legalidade, mas tão só do ponto de vista dos princípios de ética política e da eficácia organizacional. Aliás, julgo, ao contrário de Luis Nazaré que o post de Vital Moreira, referenciado pelo Expresso desta semana, não coloca a questão no terreno estrito do "legalismo". Embora utilize o argumento legal, que não é de somenos, parece-me, num Estado de Direito, acaba por chamar a atenção, sobretudo, para a questão de princípio. Penso que no contexto actual, de crise, e sérios constrangimentos salariais na Administração Pública, contratar alguém, como se tem feito em abundância, para assessor, com salários principescos, já é um insulto aos portugueses; fazê-lo em relação a um Director-Geral é ainda um insulto em relação aos demais que ocupam igual cargo. Isto é uma forma, que pode abrir precedentes, quanto a mim preocupantes, de "privatização do Estado", insustentável no plano dos princípios de ética política que considero razoáveis. Mas mais importante ainda, considero ser o facto de estar largamente por provar a eficácia de um tal princípio, na prática. Estamos ainda para saber, se avaliação rigorosa vier a haver, se foi justificada a contratação a peso de ouro dos administradores hospitalares dos hospitais SA. Do mesmo modo, não creio que a solução para o problema da eficácia fiscal resida na contratação de um gestor de empresas, por mais competente que ele possa ser nessa matéria. Mais, considero que a competência não começa apenas quando o salário ultrapassa um determinado valor muito além do aceitável para o desempenho da função em causa. Não se trata do apelo à ideia de espírito de "servidor do Estado", e da "causa pública", mas tão só a afirmação de que o problema da ineficácia fiscal, como de outras matérias da Administração Pública, é bem mais profundo, e vasto, do que a contratação de um gestor de excelência, pago segundo padrões de que tenho dúvidas até a economia empresarial portuguesa tenha capacidade para sustentadamente remunerar, quanto mais um Estado em crescente crise financeira. A assunção do problema da crise fiscal e financeira, teria de passar por outras medidas, estruturais: (i) a modernização dos sistemas de informação, (ii) a qualificação do pessoal para saber lidar com os mesmos, (iii) a transparência de procedimentos administrativos, (iv) a efectiva capacidade, e vontade, de fiscalização dos rendimentos, dos contribuintes, e nomeadamente das empresas. Ora, como facilmente se percebe, nao creio que tal empreendimento possa depender, em exclusivo, de uma pessoa. Parece-me, portanto, muito para além da questão da sua legalidade; absurda, injustificável e imoral, a decisão governamental em apreço. Cá estaremos para saber do resultado, quanto a eficácia, de mais esta sui generis decisão deste governo.
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(Pieter Bruegel - Paisagem com a Queda de Ícaro)

domingo, maio 30, 2004

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Poemário

TRÍPTICO

I
Nem a água corrente torna ao seu manancial
nem a flor desprendida da haste
volta jamais à árvore que a deixou cair.

II
Aqui era a morada antiga do rei de Wu
e livre cresce a erva agora nas suas ruínas.
Mais longe, o imenso palácio dos T'sing,
tão sumptuoso e tão temido outrora.
Tudo isso foi e não é, que tudo chega a seu termo.
Os feitos e os homens viajam para a morte,
como as águas do rio Azul passam e vão perder-se no mar.

III
Um relâmpago fugitivo é a vida,
que mal dá tempo de a sentirmos passar.
Imutável é a face da terra, e a do céu;
mas quão rápido muda o nosso próprio rosto!

LI TAI PO (C. 701- C.762)
Mesa de Amigos
(versões de poesia por Pedro da Silveira)

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O TRIUNFO DO DIA

O sol entra na casa O que
perdemos é já demasiado
para podermos distinguir da parede
o retrato Houve um futuro
no fumo que sangrava
É a forma invisível que uma onda
de luz irá salvar? Esse encontro
da casa com o dia criará uma névoa
que nega a própria luz e vai como
uma nuvem guardar todo o poder
até se transformar num relâmpago
que não pertence ao dia
porque é o que ficou do que perdeu a
existência e de novo se perde
quando a onda regressa
ao dia de onde veio
enrolada levando na sua luz o rosto

GASTÃO CRUZ (1941)
Crateras

sábado, maio 29, 2004

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Nostalgia de uma infância em outros mares

Este texto é absolutamente fantástico. Realismo ou não. Ficção ou não. A verdade é que para quem tenha uma vivência africana (nomeadamente angolana) como é o caso do JVC, sabe bem, independentemente da história do Sebastião de S. Miguel, da existência daquelas figuras nas urbes de Angola. JVC levou-me à minha infância e adolescência numa cidade angolana. Fez-me recordar e revisitar os clássicos da literatura angolana. Muitos deles porventura esquecidos nos turbilhões da História. Este instantâneo recordou-me particularmente os Contos e Instantâneos de Óscar Ribas, escritor angolano, certamente do conhecimento do João Vasconcelos Costa. Partilho muito deste sentimento do JVC em relação ao povo angolano: velhos sábios amargurados pelas pancadas da vida e da injustiça dos poderes dos homens, ou ingénuas crianças com olhos límpidos carregados de futuro, são seres reais que compõem o quadro social da História de Angola e como tal, também da História da cultura portuguesa. Bem haja JVC por esta dádiva.
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Forum Comunitário convocado à selecção nacional

Em primeiro lugar quero agradecer ao seleccionador nacional o facto de nos ter incluído no lote de blogues seleccionados. É para mim uma honra ter sido chamado a representar as cores da blogosfera nacional, tendo em conta o seleccionador em [causa. A nossa] selecção constitui a equipa de todos nós, como tal, a partir de agora pedimos o apoio de todos os bloggers nacionais. Sabemos que esta selecção não é uma nomeação definitiva, por isso procuraremos dar o nosso melhor para continuarmos a merecer a confiança do seleccionador nacional. Resta-nos dizer: Força Selecção Nacional de Blogues!
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O esplendor da América

Tem razão o Ma-schamba, não percam este post sobre Homosexualidade & Preconceitos no Azimutes. Excelente, sobre as duas Américas: a de Bush por um lado e a de Woody Allen, por outro.
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O Negativo de Portugal na cabeça das nossas elites

Estou muito de acordo com o que escreve o Aviz a propósito da peregrina ideia do Portugal Positivo. O que aqui escrevi a esse propósito tinha implícita a perspectiva agora exposta pelo Francisco José Viegas. Alguns dos nossos intelectuais odeiam este Portugal, estes portugueses e, enquanto elite, demonstram também o seu elitismo, quando do alto do seu cosmopolitismo bem pensante, e da sua cultura cultivada, desprezam esta nossa triste realidade, de país pobre, inculto, provinciano e atrasado. Pois é, não conseguimos fazer melhor, nem nós, os portugueses, nem eles...

Permito-me citar, de seguida, este excerto do texto do FJV, com o qual estou particularmente de acordo. Apenas acrescentaria, ao rol de acontecimentos históricos, as vitórias do Benfica...

"Ao contrário do que supõe essa ideia de “melhorar a auto-estima dos portugueses”, o que é necessário é, de facto, melhorar as condições da sua bolsa. Vão ver como os problemas de auto-estima desaparecem. Isso tem acontecido ciclicamente: em momentos de festa, de euforia (com a representação de D. Manuel ao Papa, com a exposição do Mundo Português, com a Expo’98, com as vitórias do FC Porto e com o Euro 2004), as questões de auto-estima não se colocam a não ser às elites.
Esse é o problema das elites portuguesas: elas gostariam de ter outro país. Um país mais culto e mais educado, mais “moderno” e sem bolsas de pobreza dramáticas. Por isso, em vez de aborrecerem os portugueses, deviam primeiro olhar para si próprias. Para a televisão que criaram, para a escola que permitiram, para a arrogância da vida política, para os maus exemplos empresariais."
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O Céu pode esperar?

"Pois é Porto, para o ano já só podem pedir o Céu. Mas será que existe Céu, sem estrelas?"

[Nick adoptado por Daniel Rodrigues no MSN]

sexta-feira, maio 28, 2004

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Falta de Imagem ou de políticas sólidas e estratégia alternativa?

Como era mais que previsível as sondagens continuam a revelar a queda a pique do PSD e o quase eclipse do PP. Ao mesmo tempo que indicam um crescendo vitorioso do PS e uma muita significativa subida do BE.

Não tenho dúvidas em afirmar publicamente que este cenário me agrada. Mas julgo-o, infelizmente, muito improvável. Considero que as sondagens são um desabafo dos portugueses sondados, perante os sérios constrangimentos de consumo e a ausência de perspectivas de retoma a que a política deste governo conduziu. Mas será que na hora da verdade, os crédulos cidadãos eleitores, que julgo maioritariamente apóstolos da ideia de "pôr ordem na casa", não darão uma derradeira oportunidade a este governo? Não que as próximas eleições sejam legislativas (e por consequência executivas), mas serão um sinal de como os portugueses já perderam todas as esperanças na alegada superioridade de competência da coligação ou, alternativamente, um indicador de que dão ao governo mais uma chance. Penso que acabarão por se inclinar, ainda, para esta segunda hipótese.

As preocupações de alguns bloggers, como este, este e este, vão no sentido de saber da capacidade de Ferro Rodrigues para agenciar mais ou menos eleitorado para a causa do voto socialista. Terá ele a melhor imagem para tal desiderato? Seria melhor o resultado caso fosse outro o líder do PS?

Em minha opinião, o desempenho político do actual líder do PS, enquanto líder da oposição tem sido medíocre. Na forma, no modo, no conteúdo. Tacticamente, estrategicamente e substantivamente muito fraco. Exactamente na razão inversa do seu desempenho como ministro dos governos Guterres, em qualquer dos ministérios que liderou. Ferro revelou-se muito melhor executante governativo do que se tem revelado como político que lidera a oposição. É certo, também, que não tem grande carisma como líder, ao contrário da imagem positiva que detinha como ministro. Porém, o problema não me parece residir aí. Tivesse Ferro uma ideia sólida de políticas e uma estratégia, alternativas ao actual governo, e a capacidade de comunicação para conduzir os portugueses a acreditarem nas suas alternativas, e a sua popularidade como líder politico subiria em flecha e aí sim, nas urnas, e não apenas em sondagens, o PS sairia inequivocamente vencedor. De outro modo, arriscamo-nos a que estas sondagens não signifiquem tanto o crédito do PS e do seu líder, quanto o desabafo dos portugueses face ao descrédito dos actuais governantes. No próximo acto eleitoral, veremos se os portugueses se decidem e como decidem...
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"Wish You Were Here"

So, so you think you can tell
Heaven from Hell, blue skies from pain.
Can you tell a green field from a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?
And did they get you to trade your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
And did you exchange a walk on part in the war for a lead role in a cage?
How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year,
Running over the same old ground.
What have we found? The same old fears.
Wish you were here...

(Pink Floyd - 1975)
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Good Morning...

Morna está a noite. Mornos são os dias deste morno país. Morna está a blogosfera. Mornos os textos que nela se lêem. Morna a minha vontade de escrever sobre coisas mornas. Morna estará certamente a cama em que me vou deitar. Dias mais quentes virão. Escritos mais escaldantes ainda. Frio sentirão alguns dos seus leitores. Ou talvez não, porque afinal mornos são. Por isso, ía dizer Boa Noite, mas direi antes: Gúde Mórnningue...

quinta-feira, maio 27, 2004

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Futebol e Política: breve história de uma união infeliz (2)

O descaramento com que Durão Barroso procurou retirar dividendos políticos da mais que previsível vitória portista da Taça dos Campeões Europeus, e as afirmações do Presidente da República, no sentido de que esta vitória do Futebol Clube do Porto seria "um bom sinal para a retoma", misturando irremediavelmente futebol com política, e pasme-se, fazendo depender sucessos políticos de resultados futelolísticos, apenas nos merecem um comentário: Tudo isto é triste, tudo isto é fado...
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Parabéns ao FCP

Encontrei aqui uma reedição, não sei se voluntária ou não, com outras marcas necessariamente multinacionais, embora até o borrego da Nova Zelândia seja o mesmo, de uma piada sobre o que significa a globalização. Toda aquela volta ao globo para encontrar uma forma de dar os parabéns ao FCP. Como eu o compreendo, apesar de cá bem no fundo ter torcido pela vitória do clube nacional. Sentimentos contraditórios, que havemos de fazer? Pois bem, também eu estava com o mesmo problema do foguetabraze. Por isso, tal como ele terá pedido de empréstimo ao Raymond Williams, digo eu, aquela piada, eu peço-lhe de empréstimo a piada dele para dar os meus parabéns ao FCP: Agora podemos dizer que esta época derrotámos o Campeão da Europa.

terça-feira, maio 25, 2004

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Link com link se paga (3)

Foram, finalmente, actualizadas as ligações do FC aos que nos têm dado a honra de nos visitarem e/ou de efectuarem a ligação a este blog. Ao lado poderão, agora, encontrar outras janelas para o universo da blogosfera. Aproveitando a oportunidade, agradeço a referência e link que o Almocreve das Petas nos concedeu. Agradecimento ainda extensivo ao José Magalhães por nos ter honrado com a sua selecção de percursos possíveis da blogosfera nacional. Também o Republica Digital constitui agora, para nós, local de passagem obrigatória. Este foi, ainda, o momento para ali colocar um blog de sábio símbolo: o Mocho, entre os meus favoritos há imenso tempo sem que me recordasse porquê. Agora sei que o motivo é o facto de ser, também, de white ball aquele mocho. Blogs que visito muito antes da existência do FC são, por exemplo, essa respeitável agremiação nada secreta que é a Grande Loja do famoso queijo, a científica Formiga de Langton, aqueles pobres peixinhos que devíamos deixar crescer, mas que são tão saborosos com arroz de tomate, os Jaquinzinhos. Parabéns, ainda, pelo aniversário. Mais recentemente descobri um moçambicano ao qual Karen Blixen diria: Também eu, um dia, tive uma maschamba em África... Todos eles estão, de ora em diante, disponíveis aqui ao lado.
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OLGA GONÇALVES, excerto de "Só de amor..." (1975)

e quando os passos abafavam jades/e quando era um colar a tua sede/e quando as danças livres aromáticas/gestos do nardo repetiam ecos//e quando a altura inerte respirada/de outras imagens a dormir nas redes/se dirigia lenta para a tarde/onde a rampa do mar domina as velas//e quando a flor se recolheu à sombra/e quando a sombra deslizou no solo/e se evadiu nos íntimos crepúsculos//e quando houve uma forma só de lábios/erosiva argilosa vigilante/a prolongar o litoral nocturno
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(Paul Cézanne - Mont Saint-Victoire - 1885)

Poemário

CHEGOU A Primavera até à grande porta
e já a erva oferece um verde de matizes azulados.
As flores rosadas do pessegueiro,
ainda não de todo abertas, são como pequenas bolas.
Esfumaram-se as orlas de jade verde que tinham as nuvens
e agora são somente jade branco.
Quieto está o pó. E eu,
num sonho profético que é fácil de entender,
quebrei e verti uma taça cheia de Primavera.
Pesa nas transparentes cortinas a sombra das flores.
Com os tons cor-de-laranja do crepúsculo
a Lua fende a sua luz desmaiada.
Três vezes em dois anos padeci a ausência
do Senhor de Leste.
Agora ele volta.
A minha alegria excede a nova Primavera.

LI TS'ING CHAO (C. 1081-C. 1140)
Mesa de Amigos
(versões de poesia por Pedro da Silveira)

segunda-feira, maio 24, 2004

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Agora outro espectáculo televisivo

Por razões que, de novo, não importam agora, não assisti a nada dos dois espectáculos televisivos que terão feito o entretenimento de fim-de-semana dos portugueses: O casamento real espanhol e o congresso do PSD nacional. Digam-me lá, o vestido da Real noiva como era? e o entertainer do costume divertiu os delegados ao congresso ou nem por isso? Não tenho qualquer retorno desses dois eventos de fim-de-semana. Está visto, desta vez vou ter de comprar as revistas Caras, Lux e as outras cem do mesmo filão.
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Adenda ao populismo televisivo (ou de outra índole)

Usando, uma vez mais, uma expressão do Terras do Nunca, se há coisa "que me encanita", a mim, é o argumento dos ex-colonizados - mesmo quando são independentes há trinta anos, quanto mais quando o são há quase dois séculos - de que os seus problemas actuais se devem à política colonial. No vertente caso, que o Brasil teria os problemas de marginalidade e violência urbana que tem, também devido ao facto dos portugueses terem deportado para lá os criminosos e malfeitores que por cá faziam das suas. É obvio que está por demonstrar a natureza hereditária dos comportamentos desviantes, ou outros. Ou melhor, já foi demonstrado o contrário, a ausência de correlação entre as duas variáveis. Mas além do mais, trata-se de um argumento que só uma perspectiva populista e mal intencionada pode sustentar, na medida em que serve para, simultaneamente, atirar para outros a responsabilidade das suas incapacidades, para organizarem as respectivas sociedades de outro modo, e para passarem um auto-atestado de incompetência, na medida em que se está a afirmar que após muitas dezenas, senão mesmo centenas de anos, não conseguiram ainda a auto-determinação dos seus actos, da sua governação. Mas claro que tais apreciações têm se ser vistas como provindo dos sectores populistas, e moralmente mais débeis, do poder dessas sociedades: os pseudo-jornalistas, os oportunistas do poder corrupto e os pseudo-intelectuais, por qualquer razão, inferiorizados.

domingo, maio 23, 2004

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TV a cor do sangue quente a escorrer pelos ecrãs

Hoje no noticiário da SIC, uma grande reportagem sobre programas "à americana", do melhor da tv-sensação, e da rádio também, no Brasil urbano. A violência em directo, à qual alguns jornalistas brasileiros, entrevistados na reportagem, se recusam mesmo designar jornalismo e chamam "lixo jornalístico". Com razão, quanto a mim. Trata-se, mesmo, do que considero ser uma perspectiva de jornalismo pornográfico. Os repórteres de tais emissões televisivas, estão ali para criar emoção, para ajuizar, para manipular consciências, sem qualquer pudor. Uma relação com a polícia que deixa pouca margem para dúvidas que, não raras vezes, o directo é pré-fabricado por uma indústria televisiva a que dificilmente poderemos chamar informação, quanto mais comunicação. Como não podia deixar de ser, os apresentadores daquele tipo de programas são autênticas vedetas que, no Brasil, ganham fortunas. Por isso, vestem a rigor a máscara do suposto cidadão comum, pseudo indignados com os marginais, com os criminosos, pseudo revoltados com a violência, manifestando, cínica mas violentamente, o facto. Condenando, logo ali, em directo, perante as sagradas audiências. Como não podia deixar de ser, apontando a culpa de toda aquela violência, a quem? Aos "políticos e governantes", assim mesmo, em abstracto, como o "bom povo" gosta de ouvir. E as audiências a subir, a subir... E o cachet daqueles "artistas", a subir, a subir... Como se não fosse um sistema político, social e económico, organizado de modo a que dele só pode fazer parte aquela violência, e aquela televisão, que cria abissais desigualdades entre os que vivem dela, e os que apenas têm de cumprir o papel de actores secundários e de figurantes daquele filme de terror. Que seria, afinal daqueles apresentadores, a cuja formação e competência jornalística, não dá para mais, se não existissem os marginais e criminosos que eles condenam ali, em directo, ao vivo, e com a cor do sangue quente a escorrer pelas telas dos televisores? Que seria deles se "os políticos" tivessem outras políticas, que virassem do avesso a sociedade brasileira e aquela pseudo imitação da cultura americana?

sábado, maio 22, 2004

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POSSE

A noite é a noite e tu a dás
- sigo a rota íntima dos cabelos.
Macio o cais. Insone o mundo
em que se dá aos lábios o querer tê-los.

Rosada a curva que enobrece a espuma,
no gesto violento que a nada se poupa.
Leitosa a sombra que nos tem seguros
a cama, o corpo, o símbolo, a roupa.

Língua de fogo que ao sangue reclama
mais lume, mais sal (que o céu o não dá).
Ternura de posse - de cor e tamanho.
O grito é o fim, um sol que aí está.

(João Rui de Sousa)

sexta-feira, maio 21, 2004

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Portugal ilustrado (2)

Os media em Portugal são controlados pela esquerda, Alberto João Jardim é um exemplo de ética, e a Madeira reúne o melhor da democracia que temos.
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Sociedade civil por quotas

Vou constituir uma sociedade civil. Para tal vou precisar do apoio de uns quatro intelectuais independentes. Desde que escrevam nos jornais claro. Depois vou precisar do apoio dos cidadãos anónimos, desde que paguem a quota, claro.
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Portugal Ilustrado

Por razões que agora não importam não tenho estado por cá, pelo país e pelo mundo. Hoje regressei e fiquei perplexo. Devo ter estado ausente por muito tempo. Digam-me, por favor. Já houve eleições presidenciais e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito o presidente de todos nós e há já iniciativas com o seu Alto Patrocínio para levantar a Auto-Estima dos portugueses? Clara Ferreira Alves não é uma senhora que escrevia no Expresso uma crónica chamada Pluma Caprichosa, onde relatava o nosso provincianismo, falta de cultura e de como nós portugueses não temos emenda, porque fazemos de tudo uma feira, não temos bom gosto e somos um país de patos-bravos? E Vasco Pulido Valente não é aquele senhor que, no DN ou no Público, chamava a todos os portugueses gente reles, inculta, provinciana, uma cambada de imbecis, iletrados, um povo ignóbil?

Pronto, estou mais descansado com a vossa resposta, é que de repente a minha auto-estima enquanto português estava a descer ao chão.

quinta-feira, maio 20, 2004

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ARIANE

Agora falarei dos olhos de Ariane.
Falarei dos teus olhos, pois de Ariane
só talvez haja memória
entre as pernas de Teseu.

De Ariane ou não, os olhos são azuis.
Azuis de um azul muito frágil,
como se ao fazer a cor uma criança
tivesse calculado mal a água.
É um azul diluído, o azul dos teus olhos,
diluído em duas ou três lágrimas
- uma delas minha, pelo menos uma,
e as outras tuas, as outras de Ariane.

Falarei destes olhos. Os de Ariane,
deles deixarei que seja Teseu a falar.
Falarei desse azul que não vi em Creta,
pois passei a infância numa terra sem mar,
falarei desse azul que não vi em Naxos,
mas vi em Delfos onde, entre colunas,
passava os dias divinamente a fornicar,
indiferente ao oráculo de Apolo.
De resto, que deus grego não me aprovaria?
Que outra coisa se pode fazer na Grécia?
(...)

Agora falarei dos olhos gregos de Ariane,
que não são de Ariane nem são gregos,
desses olhos que se fossem música
seriam a música de água dos oboés,
falarei apenas dos olhos do meu amor,
desses olhos de um azul tão azul
que são mesmo o azul dos olhos de Ariane.

(Eugénio de Andrade)

quarta-feira, maio 19, 2004

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Racionalismo cartesiano, ou o conselho do amor tranquilo em lugar do ódio

"Art. 97 - As principais experiências que permitem conhecer esses sentimentos do amor

Ora, considerando as diversas alterações que o corpo sofre e que a experiência mostra quando a alma está agitada por diversas paixões, noto que no amor, quando é sozinho, isto é, quando não é acompanhado de qualquer forte alegria, deseo ou tristeza, o bater do pulso é compassado, e muito maior e mais forte que de ordinário, um brando calor se sente no peito e a digestão dos alimentos se faz muito rapidamente no estômago; de modo que essa paixão é útil à saúde".


(Pieter Bruegel, "o Elder", A Queda dos Anjos Rebeldes)

"Art. 98 - No ódio

Noto, pelo contrário, que no ódio o pulso é desigual e mais fraco e muitas vezes mais rápido; que se sentem calafrios entremeados dum certo calor áspero e picante no peito, que o estômago deixa de funcionar e tem tendência para vomitar e rejeitar os alimentos que se comeram, ou pelo menos corrompê-los e transformá-los em maus humores".

(Excertos de "As Paixões da Alma", Descartes, 1596-1650, tradução de Newton de Macedo, Editora Sá da Costa, 8ª edição, 1978)
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RECITATIVOS

(...)

VI

Deixo este recado para Karl:
todo o rigor da ruptura
cria os possíveis
da fala
mas por detrás das palavras
há uma prática
crepuscular:

o modo de produção da noite
é literário

(Vasco Graça Moura)

terça-feira, maio 18, 2004

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Resposta a comentário em forma de post

Devido à dimensão da minha resposta aos comentários do meu estimado leitor Real, esta teve de se tornar num comentário-post. Aqui vai:

Caro Real,

Começando pelo teu 2º ponto, tu próprio dás a resposta. Portanto, desculpar-me-ás mas se há ausência de "boa-fé" é da tua parte. Além do mais, julgo ser óbvia a eloquência retórica de Louça, muito embora seja injusto não dar relevo algum a outros bons intervenientes parlamentares do BE (Luís Fazenda sim, mas ainda João Teixeira Lopes e Joana Amaral Dias, por exemplo). A propósito, ía falar dos muitos deputados do PS que nunca ouvi, não sabendo, por isso, se além de se levantarem na altura do voto saberão dizer alguma coisa sobre o que quer que seja... Mas isso é que seria ausência de "boa-fé", por isso não falarei dessa questão. Mais, a eficácia do BE não se reduz às intervenções parlamentares, mas implica todo um trabalho de backstage, eventos e acções, na rua, nas cidades, nas escolas, etc.

[Atenção! Quanto à substância da perspectiva política do BE, discordo numa elevadíssima percentagem. A questão é a eficácia, o carácter certeiro, a inovação temática e discursiva e a criatividade imaginativa. Uma boa estratégia de comunicação política, onde o PS tem falhado tanto... oh meu Deus...]

Quanto ao teu 1º ponto, também não há ausência de "boa-fé", pela simples razão que não digo, em lado algum, que o comprometimento partidário seja mau. Que seja "menos sério ou menos rigoroso". Essa foi, uma vez mais, a tua leitura. O que te direi é que, por definição, é mais subjectivo porque mais engajado. Isso não só não é mau, como é, obviamente, necessário. Porém, é diferente de uma leitura de maior objectividade, e de equidistância em relação aos partidos que, em concreto a minha análise no post em apreço, julgo revelar.

Chega este pano para as mangas?

Um abraço

WR
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Há sempre um "mas"...

Não obstante ainda só ter celebrado há pouco tempo um ano de vida, o blog campeão de audiências dobrou recentemente os 500 mil visitantes. Merece, por isso um haikai. Mas...desde que prometa abandonar os debates morfológicos...


HAIKAIS DE BOTICAS

O anel do monte
feito de nuvens.
Chove.

A moto-serra ruge,
longe. Perto, cai
uma folha.

Delicada estrada
para pequenos pés de pássaro.
Fios.

Solitária e cristalina
água. Leva-me
para a terra que me pertence.

ABRUPTO, Anuário de Poesia - Autores não publicados
Lisboa, Assírio e Alvim, 1984


segunda-feira, maio 17, 2004

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Parabéns ao Almocreve das Petas

Faz um ano de vida, um dos meus favoritos desde que comecei a frequentar a blogosfera, e um dos meus unívocos agora que existe o FC, o que quer dizer, blogs que leio e linkei, mas que não linkaram o Forum Comunitário, por qualquer razão. Além de continuar a brindar-nos com informação muito interessante e útil, do mais variado tipo, onde destaco a literatura e a história da dita, também foi recentemente às comprinhas de uma roupa nova, estando agora menos confundível graficamente com o Abrupto. É um blog-serviço-público, uma blogoteca indispensável e, além do mais, este nosso "criado" não é nada de petas.
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Dois-em-um também para ti

O Ivan Nunes, que quiça se retorceu mais pela vitória do Porto na taça do que os próprios portistas, vem agora, numa evidente dupla má-fé (eu usei este argumento!?), apelidar ironicamente o Benfica de tomba-gigantes. Ilustrando o seu post "boca", com uma foto do João Pinto equipado à Benfica. É um "dois-em-um" de provocação. Mas tem razão o Ivan, o Benfica é um tomba-gigantes. Tombou ontem na taça o gigante Mourinho, e no outro dia no Alvalade XXI, o gigante Ivan. A tombar imbatíveis assim o Benfica inicia a retoma muito antes da economia nacional.

[Este também não é um post sobre bola. É um post para elogiar o humor inteligente e criativo do Celso Martins e a perspectiva do Daniel Oliveira, que partilha da minha opinião em relação à basófia e arrogância]
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Debates morfológicos

Anda por aí muita gente incomodada com o uso do "mas". Não percebo esta repentina censura morfológica. Aliás, pseudo-argumento com barbas tão compridas, que me lembro dos mesmos sectores o usarem há trinta anos. Afinal trata-se apenas do uso mais recorrente de uma conjunção coordenativa adversativa. Pessoalmente prefiro - não sei se já se terá notado - o "porém". Há quem prefira o "todavia", ou o "contudo". Aos que recorrem com frequência ao "mas" proponho, para acalmarem a voracidade censória que por aí vai, que passem a usar, alternativamente, as locuções: "apesar disso", "no entanto", "ainda assim", "não obstante". Talvez a hipersensibilidade linguística dos censores deixe passar estas formas menos correntes das conjunções adversativas. Se, ainda assim, e não obstante, no entanto e apesar disso, aqueles censores continuarem a insistir no uso do lápis azul, sugiro que usem uma expressão que o Terras do Nunca foi aconselhado a não usar e que eu, não obstante achar apropriada no vertente caso, não vou aqui reproduzir. Mas...vontade não me falta.

domingo, maio 16, 2004

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Esta música é a festa do povo

"A cor do meu batuque
Tem o toque e tem o som da minha voz
Vermelho, vermelhaço
Vermelhusco, vermelhante,vermelhão
O velho comunista se aliançou
Ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom
E a expressão da minha cor: "Vermelho"

Meu coração é vermelho..
Meu coração é vermelho... de vermelho vive o coração...
Tudo é garantido após a rosa vermelhar, tudo é permitido após o sol vermelhecer,
Vermelhou no curral,
A ideologia do folclore avermelhou...
Vermelhou, a paixão, o fogo de artifício da vitória avermelhou...."

[Atenção! Este não é um post sobre bola, é um post sobre a malta do Colombo que jogou hoje o jogo da década]
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Porque tanto os irrita o BE e o blog Barnabé?

Porque será que se irrita tanto o governo da actual conjuntura com a oposição do Bloco de Esquerda (BE)? Ao contrário do que há tempos escreveu o Terras do Nunca, não julgo injustificável a importância dada pelo governo, e pelos partidos que o sustentam, às críticas e interpelações feitas pelo BE à acção governativa, tendo como pressuposto o peso eleitoral daquela formação política. É que, de facto, a eficácia da oposição protagonizada pelo BE à governação actual, é inversamente proporcional ao seu peso eleitoral. O mesmo se poderá dizer da oposição do Partido Socialista. É por isso natural que o governo, e a coligação, se inquietem mais com as interpelações do BE. O que se passa é que a oposição do BE, pela sua eficácia e pelo seu carácter certeiro e incisivo, não permitindo ganhos significativos, em termos eleitorais, para o próprio BE, permite perdas, assaz razoáveis, para os partidos do governo. É por esse motivo que julgo ser o BE uma força essencial à democracia portuguesa e não apenas na actual conjuntura. A democracia, e o seu jogo político-partidário, não consistem, apenas, no número de votos conseguidos pelos partidos em eleições. Muito menos em sondagens. O que penso é que os portugueses não votarão no BE para a condução da governação do país, mas a sua acção é determinante para que venham a retirar, proximamente, aos partidos do governo, a legitimidade democrática para continuarem a governar o país. Penso ser, aliás, por essa razão, que na blogosfera, o equivalente funcional do BE, o blog Barnabé (não em importância quantitativa mas em eficácia política), tanto faz carburar a imaginação argumentativa dos bloggers próximos do governo. Aquele blog parece transportar, inclusive, aquela eficácia, para fora da blogosfera, levando alguns comentadores, engajados na estratégia governamental, ao delírio da argumentação raivosa, como não víamos desde os tempos dessa "noite das facas longas" que foi o PREC...

sábado, maio 15, 2004

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Também aqui!?

Não deixa de me surpreender como uma disciplina das ciências sociais, concretamente a sociologia, continua a ser olhada como algo...esotérico (?), quase trinta anos após a sua institucionalização em Portugal. Sim, também ela é uma "conquista de Abril". O que só prova como, afinal, evoluímos tão pouco nestes últimos trinta anos.

Vem isto a propósito da forma, pretensamente jocosa, como o nosso V Congresso, que hoje termina em Braga, é tratado aqui na blogosfera, em posts e em comentários que revelam bem a indigência da nossa cultura científica, e do nosso desenvolvimento cultural em geral.

Ainda nos tempos de estudante, na cantina da Universidade, nas cerca de três vezes que lá fui almoçar, recordo-me do olhar dos nossos colegas das luminárias do Direito ou da Medicina, para aqueles seres estranhos que cursavam uma coisa a que chamavam sociologia. Mais tarde, no serviço militar, nos três dias que lá estive, uma vez mais a mesma postura por parte dos médicos e licenciados em Direito (não sei como se designam, porque podem não ser juristas, podem não ser advogados, podem não ser jurisconsultos, mas não têm uma designação genérica. Já os licenciados em sociologia são "os sociólogos"). Aí, enquanto uns eram os fulanos e outros os sicranos, eu era precisamente... "o sociólogo", dito sempre a sorrir, como se fosse o cartomante, o astrólogo, o quiromante... A verdade é que os médicos, "os de direito", os veterinários, os dentistas, e até os arquitectos, ficaram lá todos e eu vim-me embora, com muita inveja deles...(que bem me soube ser "o sociólogo"). Mas isto era apenas um àparte.

É curioso como outras áreas do saber, muito menos institucionalizadas, e muito menos inseridas na orgânica nacional do emprego, não parecem ser alvo desta atitude, no nosso país. Das duas uma. Ou, de facto, as nossas lideranças associativas, e nós próprios, não conseguimos fazer eficazmente a difusão e marketing da nossa profissão e área científica, ou então, o nosso nível de desenvolvimento cultural e científico está, de facto, muito aquém do que as ideologias auto-conformadas com a evolução pretendem fazer crer. Ou serão ambas verdade?
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O Forum Comunitário foi a exame e passou com Bom

O Forum comunitário aparece em 4º lugar no top das classificações atribuídas pelos leitores aos blogs que disponibilizam um formulário de avaliação do blog. Um serviço PTblogger que pode ser consultado em O Meu Diário.

Embora tenham sido apenas 14 os votos recebidos dos nossos leitores, eles avaliam-nos com uma média de 3.71/5 valores, o que nos confere a mencionada 4ª posição no ranking. Temos de concluir que os nossos leitores são poucos mas bonzinhos...

Bem hajam e continuem a ler e divulgar o Forum Comunitário.

[Post-scriptum: Só hoje reparei que, afinal, esta avaliação é permanente podendo por isso oscilar, ao minuto, a posição de cada blog no ranking. Por outro lado, a validade científica desta sondagem de opinião não anda muito longe da validade científica da maioria das nossas sondagens de opinião, no mundo não virtual. É, portanto, apenas uma curiosidade...]

sexta-feira, maio 14, 2004

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I Power Blogger




I Don't Power the Powered


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Défice de Alma

Já há muito tempo que não ouvia uma frase tão simples e tão certeira sobre a verdadeira origem dos problemas fundamentais, ou estruturais, do país. A frase, proferida por Vitor Ramalho no programa Negócios da Semana da Sic Notícias, tem além do mais a vantagem de permitir, em poucas palavras, sintetizar múltiplos sentidos daquele mesmo problema nacional:

" O nosso principal défice é um défice de Alma e não de números"
(Vitor Ramalho)

Nos próximos tempos vai figurar como a nossa frase-chave em epígrafe...
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UM NOME

Di-lo-ei pela cor dos teus olhos,
pela luz
onde me deito,
di-lo-ei pelo ódio, pelo amor
com que toquei as pedras nuas,
por uns passos verdes de ternura,
pelas adelfas,
quando as adelfas nestas ruas
podem saber a morte,
pelo mar
azul,
azul-cantábrico, azul-bilbau,
quando amanhece,
di-lo-ei pelo sangue
violado
e limpo e inocente,
por uma árvore,
uma só árvore, di-lo-ei:
Guernica!

(Eugénio de Andrade)


(Pablo Picasso)

quinta-feira, maio 13, 2004

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Futebol e política: breve história de uma união infeliz

Tal como o poder judicial deve ser independente do poder político, também o poder político deveria ser independente do poder do futebol. Sobre o que penso do lugar que o futebol ocupa no país e aquele que deveria ocupar, já aqui escrevi. Podia dizer alguma coisa sobre o cancelamento da agenda do Primeiro-Ministro, no dia da final da Taça dos Campeões Europeus, para se deslocar expressamente à Alemanha a fim de assistir ao jogo, mas não vou dizer nada. Hoje, não vou dizer nada.
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Má-fé

[Iniciamos hoje uma rubrica sobre a má-fé. Vamos anotar aqui todos os argumentos de má-fé, vindos dos que os usam para acusar outros de má-fé. Parece complicado mas não é]

De facto, "comparar o Iraque... com sevícias do Major Tomé", se não é má-fé, então o que é?
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Viagens num tempo de ficção

Há pouco o Technorati referia que este pobre blog tinha sido actualizado há 12345 dias, 3 horas e 45 minutos. Além da ubiquidade já é possível viajar no tempo. Um tempo em que embora existíssemos ainda não tínhamos inventado esta coisa a que chamamos blogs. A ficção científica ultrapassou-se a si própria. Agora não prospectiva o futuro, agora antecipa o passado que nunca existiu...
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SONETO MENOR À CHEGADA DO VERÃO

Eis como o verão
chega de súbito,
com seus potros fulvos,
seus dentes miúdos,

seus múltiplos, longos
corredores de cal,
as paredes nuas,
a luz de metal,

seu dardo mais puro
cravado na terra,
cobras que despertam
no silêncio duro -

eis como o verão
entra no poema.

(Eugénio de Andrade)
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"Homo academicus"

Somos gente muito engraçada, os académicos. Adoptamos conceitos originários de outras realidades e que só aí fazem sentido, mas depois temos de traduzir esses conceitos e, por vezes, eles não têm tradução linguística, porque provavelmente também não têm tradução na realidade. Vai daí, inventamos um neologismo. Acontece que cada um inventa o seu. A seguir discutimos conceitos aparentemente diferentes, a que damos significados também diferentes, e enrolamo-nos em debates esotéricos sobre realidades que não existem. O ideal seria que, ao invés de adoptarmos as modas criadas em Londres, Berkeley, ou Oxford, começássemos a criar as nossas próprias colecções, com o nosso próprio design, talvez aí passássemos a debater a nossa própria realidade. Não seria mais interessante e produtivo, para nós e para o país?
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O dom da ubiquidade

Tal como meio país relativo também eu, desde ontem até ao final da semana, não estou aqui a escrever posts, estou em Braga, no congresso da minha agremiação, como diria um leitor assíduo deste Forum. Só que, ao contrário do meio país relativo que está lá, eu estou meio lá e meio aqui. Confusos? Consegui o dom da ubiquidade, mas não digam a ninguém, porque não quero revelar a fórmula.

quarta-feira, maio 12, 2004

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Counter-globalisation: go back to National Sound

Já ouvi o tão anunciado Foreign Sound de Caetano Veloso e confirmo as minhas suspeitas. Um trabalho que fica muito aquém daquilo a que Caetano nos habituou ao longo de anos e anos. Sem alma. Frouxo. O facto de conhecermos excelentes e diversificadas versões da maioria dos temas interpretados no álbum, dificulta ainda mais uma adesão a interpretações onde o péssimo inglês do cantor não permite, além disso, a criação da necessária empatia entre a obra e o seu consumidor. Se o uso de expressões em inglês, e pedaços inteiros de canções em espanhol, ao longo de vários trabalhos da carreira de Caetano, tinha algo de original e um mau sotaque não se fazia notar, de modo a fazer esquecer a sonoridade musical, já neste trabalho, talvez porque nos vêm de imediato à memória, outras vozes, dificilmente nos conseguimos abstrair desse facto para que a música chegue a entrar nos poros.

Se adorámos a trilha musical de Habla Con Ella, o mesmo não podemos dizer deste Foreign Sound.

Melhor seria Caetano fazer uma reedição da sua excelente interpretação de coisas simples, "caipiras" e brasileirinhas, como esta:

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos

Um dia a areia branca
Seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante

As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora
Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente

Você anda pela tarde
E o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito
Uma saudade um sonho
Um dia vou ver você
Chegando num sorriso
Pisando a areia branca
Que é seu paraíso
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Post-scriptum

O post ali abaixo, ilustrado, foi escrito a propósito do que li em Um pouco mais de azul, e não é que achei desnecessário referi-lo? A isto chama-se identidade ou fusão?
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Apocalipse now redux

Quando aqui coloquei um cartaz do filme, para quem não tenha recebido a mensagem, estava a dizer que o Iraque se estava a transformar, de modo ainda mais apocalíptico, no segundo Vietnam em que os americanos se envolveram. Julgo que a espiral infernal dos últimos tempos, não deixa grande margem para dúvidas de que assim é.

Quanto à mediatização pornográfica das imagens do horror, a questão não é de "policiamento das imagens" como menciona o Terras do Nunca, nem tão-pouco de qualquer "moralismo", como costuma defender sobre outras matérias, o Aviz. A questão é, a meu ver, de exigência de ética e responsabilidade social, por parte dos media e dos jornalistas no exercício da sua profissão. O que está em questão não é o cerceamento da liberdade de expressão, é sim a tentativa deliberada de manipulação ostensiva das consciências, e dos sentimentos primários, para fins insondáveis, ou perversos, e isso é a mais abjecta forma de pornografia.

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A propósito da dor hipocondríaca

Ele há cada doença! Não é que para algumas pessoas "a saúde é uma doença"? E pior ainda, para outras, a vida é uma doença e a doença uma felicidade suprema. Há muita gente que carece de apoio especializado. O que posso fazer é recomendar esta Joie de vivre do pintor Henri Matisse.


(Matisse, Le bonheur de vivre, 1869-1954)
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Uma chalaça também

Cá para mim esta Praia aqui parada desde o concerto da Aula Magna significa que o seu autor terá sido conquistado pela alma do Lenine, o qual para o castigar de nunca se ter sentido amado pelo Ivan Nunes, obriga-o agora Além à função de redactor de um Manifesto, em forma de blog, da revolução que por lá anda a fazer germinar.
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Afinal e-democracia

Pelos vistos não só não há qualquer intenção anacrónica de censura, como a Assembleia da Republica terá iniciado uma marcha rumo à e-governance. É de aplaudir a criação de blogs parlamentares, como uma forma de e-democracia ajustada aos tempos que correm. Por aqui sim, vamos lá, e a democracia bem que está carente de mais atenção e renovação. Como é óbvio, estaremos atentos.

Aproveitamos a oportunidade para saudar o novo blog sobre assuntos parlamentares do nosso célebre "ciber-deputado" José Magalhães. Admito que já comece a cansar, mas esta notícia também a recolhi do Causa Nossa.
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Cancelamento da petição

Afinal a anedota não passou disso mesmo: uma anedota infeliz resultado da falta de experiência, e de competência, de uma estagiária do Expresso online. Pedro Amorim desmente, num email enviado para aquele semanário, e que colocou também no Barnabé, que alguma vez tenha dito o que no Expresso online foi publicado. Ao que parece é, inclusive, leitor atento de alguns blogs. Conheço, por experiência própria, este tipo de deturpações absurdas por parte de jovens estagiários de jornalismo. Mas como considero que a responsabilidade nestes casos é do jornal que lança para o terreno, sem supervisão, os estagiários, e depois publica, sem discussão e atenção, as suas asneiras, acho que quem deveria pagar uma viagem de férias ao lesado deveria ser o Expresso.
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Reeditem os cursos de alfabetização de adultos já!

A anedota da noite, de que tomei conhecimento no Causa Nossa e que agora recebi por email do Tugir, é que um tal de Pedro Amorim declarou que a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) pretende "acabar com os blogs". Em que planeta este senhor esteve exilado, nos últimos quinze anos, que nunca terá ouvido falar da world wide web, do que significa a globalização...etc...etc.
Já nem sequer falo em democracia e nos seus trinta anos. Ai como ainda evoluímos tão pouco em matéria de qualificações escolares...

Por mim, proponho já uma reedição de uma iniciativa de há uns tempos no Barnabé, com outro beneficiário:
........................Pedro Amorim para Cuba Já............................

terça-feira, maio 11, 2004

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Não vamos à bola com este "futebol"

Não vamos abrir aqui uma excepção. Porque não vamos falar de futelolês. Vamos antes falar do estádio de infra-desenvolvimento da personalidade humana. Não sendo nós entendidos na problemática futebolística, gostamos de ver um bom espectáculo de futebol. Sim é verdade. E temos as nossas simpatias clubísticas. Sim, também é verdade. Independentemente dessas simpatias, parece-nos evidente que, na actualidade, o Futebol Clube do Porto (FCP) é o clube português que possui o futebol melhor estruturado, em termos de estratégia de jogo, e mais sedimentado em termos de organização aos diversos níveis. É o clube que melhor e mais eficaz futebol joga, no país, e quiça na Europa, senão mesmo no mundo. Isso deve-se a vários, e já antigos, factores por demais conhecidos dos entendidos nesta matéria. Mas é, além disso, indubitável que tudo isso se viu positivamente reforçado com a ida do treinador José Mourinho para o FCP. Aquele técnico tem evidenciado uma competência e um espírito ganhador indiscutíveis e merecedores do nosso aplauso, até por se tratar de um português, que assim manifesta muito do que gostaríamos de ver no país, em geral.

Porque precisa, então, José Mourinho de revelar uma atitude de tanta falta de humildade? Não conseguimos perceber, uma tal postura perante a vida, vinda de alguém que não carece da arrogância, ou não seja ela factor de um estádio de infra-desenvolvimento da personalidade, imprópria dos grandes homens. Por que motivo necessita um homem que tudo ganha, tudo conquista, de vir afirmar que para o Benfica o próximo jogo da taça de Portugal será o jogo da década (dos últimos dez anos), tal como para o FCP o será o próximo jogo da Taça dos Campeões Europeus que vai disputar com o Mónaco? Não só isso não é verdade em relação ao Benfica, para o qual aquele jogo será importante para esta época mas nunca será o "jogo da década", como são desnecessárias, a um treinador da estirpe de Mourinho, esta sobranceria e basófia.

Julgo que o FCP vai vencer o Mónaco, e eu vou torcer por isso, e até que vai vencer o Benfica, embora não me agrade nada admiti-lo desde já...

Mas, e se o Futebol Clube do Porto perder com o Mónaco? e se além disso perder, também, com o Benfica? Como será que uma personalidade que não sabe conviver com os êxitos e sucessos pessoais, suportará as derrotas, os insucessos, o fracasso?

Como reagirá um ganhador sem espírito de humildade e sem grandeza de carácter, nas vitórias, perante o seu fracasso e o sucesso dos mais fracos?

[Não foi de futebol que falámos, porque disso teremos muito (demais?) nos próximos tempos...]
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Sobre o uso pornográfico das imagens de tortura no Iraque

A descoberta da existência de tortura, seja ela física ou moral - e quantas vezes a segunda não é pior que a primeira? - numa prisão no Iraque, revela toda a verdade que, certamente, ninguém desejaria que existisse. Mas existe, e ainda bem que uma comunicação livre permite a sua divulgação. Já a exploração pornográfica que os media têm feito daquelas imagens abjectas - protagonizadas por perversas e doentias mentes que marcam pontos, com frequência, nas instituições militares e policiais - essa exploração, parece-me igualmente reprovável e lamentável. Existiu, os media deram disso conhecimento ao mundo. Cumpriram a sua missão, ou vocação profissional. Agora, não nos torturem mais o espírito com a sua infindável repetição.

Neste sentido, embora como já aqui referi diversas vezes, o Barnabé seja um dos meus blogs preferidos (dispenso a repetição das razões que estão referidas nos posts arquivados), não posso deixar de lamentar este recurso a métodos desnecessários, precisamente, porque a razão está do nosso lado. Do lado daqueles que sempre se opuseram à invasão do Iraque, à forma como ela se processou, aos argumentos usados para a justificar e aos motivos porque ela, de facto, se verificou.
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Blogger consumer culture

O Blogger esteve fechado para obras durante horas. Eu que não sabia, e já estava dentro da área de edição dos blogs, fui introduzindo alterações durante cerca de hora e meia, e eis que quando ía publicar: tudo perdido! Estamos em obras!

Mas valeu a pena, genericamente. Apesar de algumas funções estarem menos funcionais, perdoem-me a redundância, a maioria das alterações foram para melhor. Destaque particular merece o portfólio de templates, bastante mais vasto e "modernaço". Algo me diz que os bloguistas do blogspot.com já devem andar todos encantados a olhar para as montras e a escolher a última moda da saison. Um dia destes também iremos ao shopping center experimentar umas roupinhas novas... afinal, ninguém é indiferente à cultura do consumo, em que vivemos.
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Ciência e vida

Porque não existe essa coisa chamada neutralidade e nem sequer objectividade absoluta na ciência, julgo que a ciência muito teria a ganhar se desse mais atenção à subjectividade da vida e incorporasse na sua análise e trabalho científico, de forma assumida, de uma vez por todas, muito do senso comum que a vida necessariamente implica. Mas penso também que para a vida, a aplicação do espírito científico é de uma utilidade extrema. Um pouco mais de ciência na forma como organizamos a nossa vida e o nosso labor diário, em todas as esferas, faria de nós seres mais capazes de aproveitar a vida e de a encarar numa perspectiva mais profícua. Procuro aplicar este duplo princípio do conhecimento de experiência feito. Quando alguém me vem dizer o que outro alguém teria dito, aplico de imediato o princípio da dúvida cartesiana. Afinal a formação científica tem de ter utilidade social e prática, para a vida. Se não tem, para que serve a ciência?

segunda-feira, maio 10, 2004

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"É que, desde muito cedo, escrever foi para mim a ambição de exprimir uma certa consciência do mundo, consciência infeliz, naturalmente, mas responsável, e sempre o que fazia me parecia muito aquém da minha ambição"

Eugénio de Andrade


Pela mão de António Lobo Antunes, na revista Visão, soube que está muito doente o poeta Eugénio de Andrade. Nunca saberá quem sou e que admirei e admirarei para sempre a sua poesia. Nunca saberá que foram os seus poemas que tanto me fizeram e fazem ter o prazer da leitura da poesia e da procura na escrita poética dessa alvura das coisas simples, essa claridade pura que todos os dias renasce.

Ao poeta Eugénio de Andrade e a todos quantos na sua poesia se revêem, dedico este pedaço de um poema que há vinte anos escrevi.

WALTER RODRIGUES (Lisboa - 24 anos)

No chão da música
para acariciar a mão
demora-se ainda o silêncio

nos poros

Na luz vertical
dos espelhos o rosto
dessas pétalas decepadas

sobre o chão

ANUÁRIO DE POESIA - AUTORES NÃO PUBLICADOS
1985, Assírio & Alvim

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Revisões da matéria lida

Estivemos a organizar as nossas leituras. Os "outros" ao lado estão agora mais próximos da realidade. Uma lista em revisão permanente.

Entretanto descobrimos mais um interessante blog de gente nova e também ligado ao ensino: o ABC dos miúdos. O envolvimento de jovens alunos e dos seus professores, parece-me uma muito positiva ideia para a concretização da perspectiva de uma escola de mútua aprendizagem permanente e de valorização do seu capital relacional e humano, materializado no intercâmbio de universos pessoais e geracionais, com as respectivas experiências de vida e interesses. Uma boa ideia para fomentar o diálogo entre alunos e professores, construindo um ensino mais interactivo e ajustado às novas realidades tecnológicas, pedagógicas e mesmo de estilos de vida e visões do mundo. Por aqui sim, vamos lá...

Outra ideia a incentivar é a da criação de uma Blogopédia, onde os seus bloggers se dedicam à construção de uma espécie de enciclopédia da blogosfera nacional. Qual a origem dos blogs. O significado dos seus nomes. Os seus objectivos. Quem é quem na blogosfera. Vale a pena apoiar a ideia.

domingo, maio 09, 2004

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Amarelo, Vermelho, Azul


(Kandinsky, 1866-1944)
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Link com link se paga (2)

Uma leitora do FC, a Nucha Pedro, deixou-nos este comentário, que pela sua beleza não resisti a colocá-lo aqui, mais visível: "O gesto é uma das componentes do triângulo mágico da comunicação entre os humanos. Aliando a expressão do olhar ao movimento das mãos, ilustra-se o discurso, emprestando-lhe a vida e a força que a palavra por si só nunca lhe chegaria a dar, apesar do seu ritmo, da sua entoação, da sua polissemia. É a mão que dá corpo ao poema, inscrevendo na folha branca, transformadas em signos, as imagens captadas pelo olhar, as quais destravam a fala ao pensamento"..

Mas o intercâmbio tem-se feito também com o Netescrita, com o Grão de Areia, com o Fumaças, com a Rua da Judiaria, com o Adufe, com a vizinhança do País Relativo e até com o displicente em matéria de "linkagens", Terras do Nunca.

Por aqui terá passado também uma Seita dos Orégos, O Bar do Moe, nº133, para que ninguém se engane na porta vindo de outro bar menos virtual... Mais recentemente foi o, assim designado, Simplesmente Alex que se ligou ao FC. Por email recebemos a proposta de adesão à Arca do Bué. Proponho enchermos a Arca de Orégos e Simplesmente bazarmos com a Seita toda a curtir Bué no Bar do Moe.

Também uma palavra para a Fonte das Virtudes, que acha que o Forum Comunitário não é um "Fórum". Se o Pedro Olavo Simões quiser contribuir com os seus comentários ou textos enviados por email, talvez o FC consiga ser aquilo que pretende: um Fórum de troca de ideias, opiniões e apreciações estéticas. Teremos imenso gosto no diálogo, a avaliar pelas virtudes que nascem dessa fonte.

Quanto a blogues clonados do Aviz, ou outros produzidos em "linha de montagem", aviso: no FC somos contra a clonagem das obras de arte e produção literária em série e favoráveis a sistemas de produção flexível ou de produção artesanal. Valorizamos o home-made em detrimento do prêt-a-porter. Lamento, mas são opções inegociáveis.

Leitores do FC que também merecem citação são o Empatia, a Homoclínica e o Fio de Ariana. Todos eles tiveram já a amabilidade de referirem este Fórum, nos respectivos blogues.

Uma ex-aluna, a Isabel Tilly, também nos descobriu na blogosfera e escreve um belo Monólogo em diálogo com todos nós que podemos usufruir da sua escrita.

Last but not the least: um dos meus blogues preferidos é, sem dúvida, o de uma leitora assídua e atenta do Forum, e tem o poético nome de Um pouco mais de azul.

sábado, maio 08, 2004

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E agora apóstolos pedro e paulo?

Bom augúrio para a democracia portuguesa é o documento assinado por todos os líderes da história do PSD, ainda vivos e militantes daquele partido. Trata-se de um compromisso histórico com a sua identidade fundadora, a social-democracia, refutando, nomeadamente, a tentação de uma certa "moda de neo-liberalismos" ou os "anquilosantes conservadorismos".

Ainda que se trate de uma oportuna marcação de posição em período eleitoral, não deixa de ser um sinal ao seu parceiro de coligação. Terá começado, já, a demarcação de que aqui falávamos há dias?
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Como de costume...concordo

com Augusto Santos Silva, que hoje refere no Público, quais as questões essenciais que devem ser colocadas sobre o affaire Casa Pia :

"A pior coisa que poderia suceder, e não apenas aos arguidos, também às instituições do Estado, seria ficar-se com a sensação de dúvida, de caso por concluir ou suspeita por confirmar. Por muito que custe, é preciso encontrar resposta a todas as perguntas que se foram colocando ao longo deste caso.
A primeira e essencial: que crimes se cometeram e quem os cometeu? O abuso sexual de crianças é uma coisa hedionda, ainda mais hedionda quando são crianças desvalidas e institucionalizadas. Quem o praticou merece castigo exemplar, não solidariedade, e cada um de nós que defende publicamente a inocência de qualquer arguido (como eu aqui fiz e repito em relação a Paulo Pedroso) sabe que empenha nisso a sua própria credibilidade. Mas precisamos todos de saber o valor das provas que fundamentam as acusações. E, tratando-se em boa parte de testemunhos, qual o crédito que merecem os seus autores. E, havendo claramente uma estratégia de criação de um "arrependido", Carlos Silvino, em que termos e por que razões jogará a justiça o seu jogo.
Esta é, porém, apenas a primeira das perguntas. Para cada um dos arguidos cuja inocência ficar demonstrada, teremos então de determinar quem o caluniou, e por que motivos, e a mando de quem. E o mesmo para os muitos que o Ministério Público não chegou a constituir como arguidos, mas foram vilmente caluniados - quem e porquê procurou envolvê-los num escândalo político-sexual.
E, depois, qualquer que seja o resultado da instrução e do julgamento, será tempo de reexaminar a investigação e o inquérito. Porque foram feitas aquelas escutas telefónicas e conservados aqueles materiais, anexadas aquelas cartas anónimas, usado aquele álbum fotográfico, porque foram colhidas tão poucas provas não testemunhais, porque foi concedido tanto valor a testes de personalidade tão rudimentares, etc., etc.. E a política de informação - será então altura de explicar a sucessão das fugas de informação e as violações do segredo de justiça, se houve ou não orquestração entre fontes do processo e meios de comunicação social para criar antecipadamente na opinião pública o sentimento de culpabilidade deste ou daquele indiciado. E poderemos enfim tentar desvendar outros mistérios, os silêncios de anos que se transformaram em fúria justiceira, os supostos amigos e técnicos de apoio às vítimas que afinal tinham tido oportunidade de conhecer e denunciar os abusos, no tempo devido, e se calaram.
Não estamos perante jogos florais de interpretações jurídicas entre ilustres magistrados, nem perante o sinistro triunfo dos poderosos sobre os justiceiros, nem perante as habilidades comparadas de advogados talentosos. Face aos dramas vividos, estas insinuações são repugnantes. A coisa também não é um enredo de telenovela, com o sofrimento, a ansiedade e o júbilo filmados em directo para deleite pornográfico da multidão. Devemos às vítimas, a todas as possíveis vítimas do processo Casa Pia - as vítimas de abusos sexuais, as vítimas de calúnia, as vítimas de crucificações mediáticas, as vítimas de operações de assassinato político e moral - devemos-lhes a procura da verdade. Da verdade dos factos, não dos preconceitos. Da verdade a que só se chega não tendo medo de colocar todas as perguntas. Para conseguirmos as respostas a que temos direito".


(Augusto Santos Silva)

[O texto completo pode ser lido aqui]
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(Renoir, 1841-1919)

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O PINTOR REALISTA

(Das realistische Maler)

«A Natureza inteira e fiel!» - Mas, começar?
Não há quadro que a possa copiar!
Do mundo, a menor parte é infinita.
O que ao pintor agrada, é que ele pinta.
E só lhe agrada... o que pode pintar.

(Friedrich Nietsche, 1844-1900)

Versão de A. Alexandre de Carvalho,
in Oiro de Vário Tempo e Lugar,
Editora O Oiro do Dia

sexta-feira, maio 07, 2004

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Um poema... um terno abraço

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Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma cousa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se,
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

(Alberto Caeiro)
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Diários (4)



Manuscrito atribuído a Freud. Lembra-nos o Aviz, que nasceu a 6 de Maio de 1856
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Parabéns ao Abrupto

Está de parabéns o ABRUPTO, não só por fazer um ano de vida, mas por ser um dos blogs de referência da blogosfera nacional e de ter contribuído, creio eu, para que muitos outros surgissem, pelo exemplo oportunamente divulgado nos media.

Apesar de ter deixado passar a meia noite do dia do aniversário, não quero perder a oportunidade de aqui divulgar um poema inserido numa iniciativa da editora Assírio & Alvim, entre os anos de 1984 e 1986, no âmbito da qual aquela editora publicou, em três consecutivos Anuários de Poesia, exclusivamente poemas de autores não publicados até então.


ABRUPTO (Lisboa, 35 anos)

MEMÓRIA DE BASHÔ

o que o pequeno grilo me ensina
esqueço-o depressa
o que a branca lua me estende
deixo logo cair

solitário pernoito

com quem hei-de falar do grilo
e distribuir o branco da lua?

in: ANUÁRIO DE POESIA - AUTORES NÃO PUBLICADOS, Assírio & Alvim, 1984.
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Azedume

Sempre admirei a poesia de Vasco Graça Moura (VGM) e o seu trabalho literário. Nunca admirei as suas intervenções políticas. Nem o seu antigo eanismo, nem o seu cavaquismo. Sempre os achei demasiado aderentes a perspectivas muito pouco poéticas da vida e do mundo. Demasiado acriticas para um poeta e um homem do conhecimento, que como se sabe desde os pré-socráticos assenta no questionamento das evidências, das verdades absolutas e definitivas e do simplismo de raciocínio.

Agora, o azedume do texto de VGM no Diário de Notícias, já me parece mesmo excessivo vindo de um homem da poesia e da sensibilidade literária. Afinal as coisas correm mesmo mal lá para os lados do poder em exercício. Há tempos escrevi aqui que a campanha eleitoral para as europeias não estava a correr nada mal ao Primeiro-Ministro. Parece que me enganei. Eu engano-me com alguma frequência. Ou então o desnorte está em acelerado passo rumo ao descalabro. Só assim se compreende que VGM se veja obrigado a baixar o nível do debate àquele ponto. Por norma, quem está a vencer o jogo não recorre à canelada. Não precisa de o fazer. Por norma, também, é raro que a canelada venha dos melhores jogadores da equipa perdedora. Por isso, apesar da sua respeitosa idade, que quiça lhe estará a conferir esse azedume, que o faz recorrer a uma terminologia menos nobre, permita-me Vasco Graça Moura, ao menos enquanto humilde admirador da sua obra literária, um pequeno conselho: deixe esse trabalho para os "peões de brega", ou para os caceteiros do costume, e retome o seu lugar, para que não se confunda com eles.

Post-scriptum: Já agora, o chavão da má-fé, que se está a tornar um autêntico leitmotiv do discurso dos sectores intelectualizados do lado direito do espectro político nacional, começa a vulgarizar-se de tal modo, que já só me parece revelar a má-fé dos que o usam para criticar os que se posicionam à sua esquerda, na ausência de mais valiosos e sólidos argumentos politico-intelectuais.

[Não leio diariamente o DN. Foi no Causa Nossa que li um comentário de VM que me levou a ler o artigo de VGM]

quinta-feira, maio 06, 2004

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TRANSFIGURAÇÃO

Esta chuva que continuamente cai
E continuamente cerra o horizonte,
Que fecha e oculta o que ora talvez amasse
- O que poderia amar perdidamente,
O que poderia ver e humanamente amar!...
Esta chuva que continuamente cai,
Quanta doçura nela encontro,
Quantos iluminados gestos sem saber porquê!
Quanto mistério, cor, descanso e aroma,
Quanta presença discretamente serena
Frente à limpidez de paisagem que se admira,
Frente à mulher que em nosso peito prepara uma límpida festa
E nos convida a amar com os olhos rasos de água!

(Ruy Cinatti, 1958)

quarta-feira, maio 05, 2004

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O AMOR EM VISITA

(...)

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz e sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te aprendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

(...)

(Herberto Helder, 1958)

terça-feira, maio 04, 2004

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Comemorações: em 30 dias evoluímos até às 1000 visitas !

Se considerarmos que nos primeiros quatro dias desde a sua criação a 31 de Março, o Forum Comunitário, esteve a "aquecer os motores", então, apenas levantou voo faz hoje precisamente 30 dias. Devemos comemorar hoje um mês da sua existência, de facto. Mas devemos comemorar duplamente, porque em 30 dias o FC evoluiu até às 1000 visitas (quatro dígitos). Se tivermos em linha de conta que há uns dias atrás o Causa Nossa comemorou 100.000 visitas em 5 meses, teremos de concluir que também na blogosfera, tal como no desenvolvimento sócio-económico, cada um comemora a evolução que pode comemorar.
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Poemário

SOL DE PRIMAVERA

Deixo a brisa de leste banhar-me a face
A primavera resplandece de norte a sul
Com dez mil tons de vermelho
e dez mil tons de azul

CHU HSI (séc. IX)
in Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro
(tradução de Jorge Sousa Braga)
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Mãos quase tocantes desde a Criação do Homem


(Michelangelo, 1475-1564)
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"I'm in love with a pop star"

Santana Lopes, que foi eleito para ser Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, disse que "seria bonito" haver dois candidatos à Presidência da República da mesma área política. Aposto que estava a pensar em Cavaco Silva, claro, e em... Marcelo Rebelo de Sousa.

segunda-feira, maio 03, 2004

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Fonte das virtudes

Entre 1996 e 1998 coordenei um estudo sobre uma parte da zona histórica do Porto (freguesias de Miragaia e Vitória). A equipa incluía além de sociólogas, uma historiadora e vários arquitectos. Nas reuniões de trabalho que efectuávamos no Porto, das quais tenho tanta saudade, uma arquitecta da equipa mencionava, recorrentemente, o património histórico existente na zona. Ficou-me na memória este belo nome para uma fonte: Fonte das Virtudes. Confesso que nunca cheguei a visitar a fonte nas minhas, tão frequentes, visitas ao terreno do estudo. Eis que um blogger do Porto, que terá passado pelo FC, atribuíu ao seu blogue o bonito nome de Fonte das Virtudes. Porque, também eu, desejaria que este Forum conseguisse ser, para os propósitos a que se destina, uma fonte de virtudes, aqui deixo, com satisfação, o registo deste novo blogue sobre a cidade do Porto.

O trabalho que mencionei pretendia diagnosticar as condições sociais e urbanísticas daquela zona da cidade. Recordo-me que a Fonte das Virtudes (conforme registo fotográfico que consta dos nossos arquivos) estava, então, em péssimo estado de conservação. O nosso relatório mencionava isso mesmo. A foto agora visível no blogue do mesmo nome, mostra uma fonte restaurada e conservada. Esperemos, de algum modo, ter contribuído para esse facto. Se assim foi, fico muito satisfeito em saber que o nosso trabalho não terá ido inteiramente "para a gaveta", como é, infelizmente, tão frequente.

Bem haja Pedro Olavo Simões, pelo link para o FC, mas sobretudo pela satisfação de me fazer ir às memórias, tão agradáveis, desses tempos que passei no Porto, com uma equipa de gente de tão aprazível trato.
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Mãos tocantes

E porque as mãos são ramos, são vasos comunicantes...Eis que de repente se tornam mãos tocantes. Na homoclínica e em um pouco mais de azul.
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Ainda as mãos e os frutos

Das mãos industriosas da arte, nascem frutos para além do que a nossa razão consegue traduzir em palavras. Mas que seria daquelas mãos sem o cérebro que lhes mostra o caminho?

domingo, maio 02, 2004

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A propósito de um muito belo poema que li em um pouco mais de azul, recordei-me de As Mãos e os Frutos, daquele que é um dos maiores nomes vivos da poesia portuguesa. Eugénio de Andrade, neste domingo pequeno.

I

Só as tuas mãos trazem os frutos
Só elas despem a mágoa
destes olhos, choupos meus,
carregados de sombra e rasos de água.

Só elas são
estrelas penduradas nos meus dedos.
- Ó mãos da minha alma,
flores abertas aos meus segredos.

(...)

XX. PEQUENA ELEGIA CHAMADA DOMINGO

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)

O domingo está apenas nos teus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.

(Eugénio de Andrade - AS MÃOS E OS FRUTOS)
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(Renoir, 1841-1919)

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A MÃE

Alguma vez observaste como, ao fazer-te a cama,
a tua velha mãe
desdobra, estende, alisa, acaricia o lençol
para que não fique nele uma só ruga?
A respiração, o gesto, a palma da sua mão
transbordam de uma tal ternura
que do fundo do tempo continuam a apagar o
incêndio de Persépolis
e presentemente acalmam já alguma tempestade
futura
no Mar da China ou noutro mar desconhecido
ainda.

(VLADIMIR HOLAN - Tradução de Eugénio de Andrade)

sábado, maio 01, 2004

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1º de Maio


Numa breve viagem pelos blogues à procura das referências ao 1º de Maio, encontrei apenas referências, com recurso à imagem, a uma visão arqueológica do trabalho. É uma visão do dia do trabalhador que remete para a sua origem. O trabalho manual da industria pesada. O trabalho penoso que motivou os movimentos emancipatórios de meados do século XIX a meados do século XX. Essa modalidade do trabalho persiste nas sociedades contemporâneas, sendo no entanto minoritária, para não dizer residual, no mundo desenvolvido da nossa contemporaneidade. Por isso, aos movimentos emancipatórios que emergiram no século XIX, importa fazer acrescer uma dimensão ética, fulcro das “políticas da vida” que, como sugere A. Giddens, estão no cerne da modernidade na sua fase avançada.

No Público de hoje, Augusto Santos Silva escreve, mais uma vez, com a qualidade de análise, visão de futuro, sensatez de argumentos e uma perspectiva que anula tanto uma visão dos problemas contemporâneos à luz de um passado sem regresso, como uma óptica que encare o futuro como uma estrada de uma só via. As visões redutoras do que está em causa nas mudanças sócio-económicas, que temos vindo a presenciar, venham elas do sector que vierem, deveriam reflectir, assim o conseguissem, sobre esta análise de ASS. Desta feita, discorre sobre o lugar do sindicalismo no mundo actual e os desafios que se lhe colocam. A postura que sugere para o sindicalismo contemporâneo é, do meu ponto de vista - tenho-o cada vez mais como certo - a única postura portadora de futuro. De todo o texto destaco este excerto, que julgo conter o cerne da questão, em que ASS menciona que o sindicalismo deveria:

"Trazer para o primeiro plano a qualidade da organização e das relações humanas no trabalho e com a sua envolvente, familiar ou comunitária. Trata-se de, no bom sentido da expressão, politizar o trabalho, isto é, questionar a qualidade das relações de poder e autoridade, as oportunidades e formas de participação, as condições materiais e imateriais de remuneração do esforço e do mérito de cada um, a dignidade e igualdade moral. Quem despreconceituadamente compara bons e maus casos de produtividade depressa nota que, mais do que a legislação, é a natureza qualitativa da organização do trabalho e tecnologia o factor determinante".

Permito-me apenas acrescentar que, do outro lado desta “moeda”, será necessário que estejam empresas e empresários que valorizem igual perspectiva. Empresas e empresários socialmente responsáveis, isto é, que tomem como adquirido que o verdadeiro desenvolvimento económico reside no capital humano e no capital social que a sua actividade pode gerar. Investir no capital humano da empresa é investir nas condições de trabalho, na formação e qualificação e capacidade de adaptação dos trabalhadores às necessárias reestruturações produtivas da economia. Investir no capital social é investir no meio envolvente, tanto em matéria ambiental como do ponto de vista do desenvolvimento social desse meio, participando activamente no desenvolvimento do contexto territorial em que a empresa se insere.

Só essa perspectiva empresarial permitirá atingir níveis de competitividade sustentada. Assentes, não em factores primários, de curto prazo, como sejam o custo de mão-de-obra, de energias e matéria-prima, mas inversamente, nos factores avançados da competitividade: qualificação do trabalho, participação nas redes de inovação tecnológica e organizacional e capacidade de retirar dividendos dessa inovação, e participação nas redes de regulação social do território em que se inserem. A participação na criação de um meio favorável, em termos da sua qualidade de vida, da capacidade da sua inovação social, económica e cultural, da sua dinâmica económica e da sua vitalidade sócio-demográfica, são no mundo desenvolvido actual, imperativos das condições de competitividade sustentada. Só uma tal perspectiva empresarial se enquadra numa lógica de desenvolvimento sustentável que importa construir no presente para garantir o futuro, de trabalhadores, de empresários, de cidadãos. Numa palavra: da humanidade.
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UM POUCO MAIS DE AZUL


(Pablo Picasso,1903)


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Juro, por esta rosa
que toco
que me suspende,
que nada sei do mundo!


NADA-AZUL

Nada, é azul! Como os imensos
céus vazios...
Nada, é azul: antes de tudo,
ou a essência de tudo,
e os anelos.
Nada, é azul: onde florescem
os anjos e os zenites
mais perfeitos.
Nada, é azul: como a minha alma
e o nome, perfeitíssimo,
de Deus...
Negras, são as coisas. E as mãos.
Mas nada é azul.
E o azul
reina,
celeste, incontestável!...

(Jorge de Amorim, 1956)
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Bons exemplos no país real (3)

Meritório é o trabalho desenvolvido por este projecto. Merece por isso maior difusão. Incentivar o gosto pela leitura e pela escrita aos alunos desde o primeiro ciclo do ensino básico. Julgo que a blogosfera é a sede própria para divulgarmos e apoiarmos este projecto. Por isso, senhores e senhoras professores e professoras da blogosfera, façam o favor de colocar as vossas escolas em rede com o Netescrita.