segunda-feira, maio 31, 2004

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A propósito da contratação milionária

Estou inteiramente de acordo com a chamada de atenção de Vital Moreira, para o escândalo da contratação do novo Director-Geral de Impostos. Não vou, por razões óbvias, discutir a questão do ponto de vista jurídico, nem sequer estritamente da sua legalidade, mas tão só do ponto de vista dos princípios de ética política e da eficácia organizacional. Aliás, julgo, ao contrário de Luis Nazaré que o post de Vital Moreira, referenciado pelo Expresso desta semana, não coloca a questão no terreno estrito do "legalismo". Embora utilize o argumento legal, que não é de somenos, parece-me, num Estado de Direito, acaba por chamar a atenção, sobretudo, para a questão de princípio. Penso que no contexto actual, de crise, e sérios constrangimentos salariais na Administração Pública, contratar alguém, como se tem feito em abundância, para assessor, com salários principescos, já é um insulto aos portugueses; fazê-lo em relação a um Director-Geral é ainda um insulto em relação aos demais que ocupam igual cargo. Isto é uma forma, que pode abrir precedentes, quanto a mim preocupantes, de "privatização do Estado", insustentável no plano dos princípios de ética política que considero razoáveis. Mas mais importante ainda, considero ser o facto de estar largamente por provar a eficácia de um tal princípio, na prática. Estamos ainda para saber, se avaliação rigorosa vier a haver, se foi justificada a contratação a peso de ouro dos administradores hospitalares dos hospitais SA. Do mesmo modo, não creio que a solução para o problema da eficácia fiscal resida na contratação de um gestor de empresas, por mais competente que ele possa ser nessa matéria. Mais, considero que a competência não começa apenas quando o salário ultrapassa um determinado valor muito além do aceitável para o desempenho da função em causa. Não se trata do apelo à ideia de espírito de "servidor do Estado", e da "causa pública", mas tão só a afirmação de que o problema da ineficácia fiscal, como de outras matérias da Administração Pública, é bem mais profundo, e vasto, do que a contratação de um gestor de excelência, pago segundo padrões de que tenho dúvidas até a economia empresarial portuguesa tenha capacidade para sustentadamente remunerar, quanto mais um Estado em crescente crise financeira. A assunção do problema da crise fiscal e financeira, teria de passar por outras medidas, estruturais: (i) a modernização dos sistemas de informação, (ii) a qualificação do pessoal para saber lidar com os mesmos, (iii) a transparência de procedimentos administrativos, (iv) a efectiva capacidade, e vontade, de fiscalização dos rendimentos, dos contribuintes, e nomeadamente das empresas. Ora, como facilmente se percebe, nao creio que tal empreendimento possa depender, em exclusivo, de uma pessoa. Parece-me, portanto, muito para além da questão da sua legalidade; absurda, injustificável e imoral, a decisão governamental em apreço. Cá estaremos para saber do resultado, quanto a eficácia, de mais esta sui generis decisão deste governo.

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