sexta-feira, junho 11, 2004

___________________________________________

Hábitos, monges e identidades

Este título é uma oportunidade para homenagear o meu colega Paulo Pedroso que, em 1987, apresentou num colóquio (em co-autoria com outra colega), uma comunicação, baseada num trabalho escolar do último ano do curso, sobre a relação entre o estilo do vestir e as identidades dos estudantes das duas principais licenciaturas, à época, no nosso Instituto: Organização e Gestão de Empresas e Sociologia. Glosava a comunicação o célebre provérbio, segundo o qual, o hábito faz o monge. De então para cá, o mundo mudou significativamente, e muitos dos estereótipos, então em uso, deixaram de fazer sentido. As identidades e os estilos de vida são hoje estruturas e processos menos rígidos, de fronteiras mais flexíveis, para não falar na natureza transclassista e transidentitária que muitos estilos de indumentária actualmente comportam. Ainda assim, recordei-me de um episódio, passado há cerca de uns dez anos, onde um outro colega, - contemporâneo de licenciatura, mas antropólogo, actualmente também colega como docente no nosso Instituto -, me interpelou a propósito do “meu estilo de vestir”. Importa aqui esclarecer que a licenciatura em Antropologia surge, em meados dos anos oitenta, no Instituto, como a terceira área de formação graduada do mesmo. Actualmente, são nove as licenciaturas, catorze os cursos de Mestrado, e creio que quatro os cursos doutorais. Devo ainda referir que, no que concerne a estilos, os nossos colegas gestores têm como regra, com algumas excepções, o uso do fato e gravata, sendo muitos deles simultaneamente docentes e gestores empresariais. Já os nossos colegas antropólogos têm como padrão o não uso daquele tipo de indumentária, apresentando estilos mais próximos do modelo universitário nada classicista e mais à “intelectual gauchiste” . Quanto aos sociólogos, trata-se de um grupo menos consistente, ou mais heterogéneo, no que concerne aos estilos. Temos os mais clássicos e institucionais, próximos de alguns dos gestores, embora com fatos menos caros, e os mais blasé, próximos dos antropólogos, embora com estilos menos pseudo-négligé. No meu caso pessoal tenho adoptado estilos de vestir muito divergentes, oscilando entre o tradicional fato e gravata dos gestores, o pseudo-négligé dos antropólogos, e outros estilos que não sei classificar senão como de bom gosto. O meu subjectivo bom gosto, pois claro. Ora bem, feito este enquadramento e parêntesis altamente valorativos do meu senso comum, vamos ao episódio. Consiste aquele episódio no facto do meu estimado colega antropólogo me ter interpelado, perguntando-me se eu me vestia como me vestia para me confundir com os gestores. Ao que eu lhe respondi que não, que me vestia como me vestia para me distinguir dos antropólogos.

De facto, o hábito faz o monge, mas daí não é possível inferir directa e mecanicamente o que quer que seja. Os processos constitutivos das identidades são complexos, nada lineares e nem sempre, e cada vez menos, se compadecem com estereótipos. Por outro lado, as identidades não se formam apenas através dos grupos de referência positiva como também negativa, não se formam somente por identificação, mas também por oposição e distinção. A identidade profissional dos sociólogos portugueses é multifacetada, não dedutível, apenas, a partir de um estereótipo, facilmente rotulável e rigidamente enquadrável em determinados estilos, padrões de pensamento, paradigmas científicos ou modalidades exclusivas de exercício da profissão. Poderemos, talvez, dizer o mesmo do seu estilo de vestir, parte integrante desse caleidoscópio de imagens pessoais e culturais que compõem a identidade profissional dos sociólogos portugueses, desde logo os do nosso Instituto.

Sem comentários: