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Sobre o "endogamismo" da blogosfera
O pior que poderia acontecer à blogosfera seria não ultrapassar uma fase de endogamia. No sentido em que, ao invés de debater sobre os mais diversos problemas e temas do mundo e das experiências pessoais dos que o compõem, em todas as suas dimensões, permanecesse enredada em minúsculas questiúnculas endogâmicas. Um universo em que se limitasse a falar de si própria e dos seus próprios problemas, como se não houvesse mundo para além do umbigo da dita blogosfera.
Pouco me importa se uns são de direita e outros de esquerda. Se uns preferem o registo instrospectivo, pessoalizado, poético, ou mesmo intimista e outros, em alternativa, alinham pelo discurso analítico, crítico, político, racional. Acho que todos eles fazem falta à blogosfera. Não é o mundo composto de tudo isso? Porque haveria a blogosfera de ser um mundo "à parte", ao invés de um reflexo espelhar, ou uma amostragem do mundo real?
Sabemos bem que alguns bloggers parecem querer marcar o passo, traçar as tendências, acentuar divisões, afirmar estilos e até, eventualmente, protagonizar a liderança na inovação. Mas será que isso nos deve preocupar? Não será, uma vez mais, também aí, a blogosfera um espelho da "realidade real". Do mundo "lá fora"?
Claro que a blogosfera também é um espaço público e, como tal, os seus actores aí representam um papel. Teatralizam. Mas não é isso, também, que os actores sociais fazem no seu quotidiano? Não são as identidades que construímos e reconstruímos no nosso quotidiano e no nosso trajecto de vida, também, algo que se torna legível mediante um processo de representação em público? No sentido exacto que lhe atribuiu o sociólogo americano Erving Goffman em Relations in Public e em Self-Representation in Everyday Life?
Tais processos não são, parece-me, exclusivamente accionados pela subjectividade dos discursos personalizados ou intimistas, reveladores de opções de vida, gostos, apreciações e julgamentos estéticos como, igualmente, por aqueles que resultam da pura razão crítica, analítica e sócio-centrada.
É verdade que essas dicotomias existem, de facto, e com elas temos de lidar. Mas não será que o reconhecimento da complexidade da realidade nos deveria conduzir ao entrecruzamento dos pólos dessas dicotomias, já que a realidade, de facto, é sempre mais complexa do que as categorias com as quais a analisamos?
No Forum Comunitário procuraremos - assim o consigamos - dinamitar as fronteiras artificiais e dicotómicas com as quais nos habituámos a pensar o mundo e a classificar as estruturas, as práticas e as representações dos seus protagonistas.
O que não gostaríamos, de todo, é que a blogosfera ficasse presa no emaranhado de uma rede restrita e egocentrada, um micro-mundo "à parte", como se de um universo endogâmico se tratasse.
Como sabemos, os sistemas, ou subsistemas, fechados sobre si mesmos, perdem diversidade, dinâmica, capacidade de inovação e renovação e, desse modo, tendem à desvitalização e à auto-destruição.
Morreu François Ascher
Há 15 anos
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