sexta-feira, abril 16, 2004

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Dar aulas e receber lições

Costumo dizer que não dou aulas, mas vendo. Sendo isto apenas uma nota de humor, não deixa de ser verdade que cada vez mais uma aula, nomeadamente num ensino superior crescentemente competitivo e aberto ao mercado, é um produto colocado nos respectivos mercados. Mercados de licenciaturas, de mestrados, de doutoramentos, de conferências e até de acções de formação. A lógica concorrencial e a mercadorização, também do ensino, obrigam a uma cultura promocional, em muitos aspectos derivada da lógica da produção e comercialização de mercadorias. Disso mesmo falaremos aqui em próxima oportunidade.

Por agora, gostaria de dizer que faço aulas e recebo lições, nomeadamente dos alunos dos diversos graus de ensino, ou até dos cursos de formação. Não concebo o produto aula senão como um processo de aprendizagem, também para o docente. Se faço boas ou más aulas é algo que deixo ao critério da avaliação dos meus discentes, os quais são auscultados para o efeito. Gostaria, no entanto, que a carreira académica que é duplice, porque inclui duas carreiras, uma científica e outra pedagógica, tivesse uma maior valorização, também na avaliação do nosso desempenho, da sua componente pedagógica. Poucas profissões serão tão avaliadas, ao longo da carreira, como a de investigador universitário. Essa avaliação incide, em exclusivo, na dimensão científica. Sabemos que há (ou houve) provas pedagógicas na transição da categoria de estagiário para assistente. Mais tarde, também nas provas de agregação. Mas esses momentos de avaliação mais não são do que a encenação de uma aula e, portanto, avalia-se aí a maior ou menor capacidade para encenar os conteúdos e métodos pedagógicos e não tanto as competências pedagógicas, propriamente ditas.

Considero que não há necessariamente uma coincidência entre a competência científica de um docente universitário e o seu desempenho pedagógico. Sendo a carreira universitária uma carreira que há muito pratica a "aprendizagem ao longo da vida", pela sua própria natureza, ela é também, virtualmente, o lugar onde a humildade dos profissionais, que na prática nunca deixam de ser também alunos, é inerente à sua profissão. Por isso considero que só faço boas aulas quando consigo receber lições dos meus alunos. Por isso considero que o nosso desempenho pedagógico deveria, também, ser avaliado pelos nossos pares, mas in acto e não mediante uma qualquer encenação. Por isso, também, considero que só quem não pratica a humildade académica dá aulas, sem receber lições. Eu procuro fazer aulas e preciso de receber lições para procurar melhorar o meu desempenho pedagógico. Gostaria de ser avaliado, formalmente, também como docente.

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