domingo, abril 25, 2004

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Agora vamos para este lado

O mais recente álbum de Caetano Veloso promete, na linha do que se anunciava, um autêntico pastishe. O meu gosto eclético e, provavelmente, mais orientado por uma certa sensibilidade estética, do que por uma esmerada educação do gosto artístico, leva-me a consumir com fruição, obras do género, desde que não excessivamente "kitsch".

Caetano não tem desiludido em outras experiências do mesmo género. Em todo o caso aqui, com um álbum inteiramente dedicado a este filão, sabe que corre riscos, embora se mostre displicente face à recepção dos mercados, remetendo esse tipo de preocupações para a editora...

Numa primeira apreciação dos títulos anunciados, não deixa de nos chamar a atenção a inclusão neste pastishe da "música de hotel" Feelings, mais recentemente celebrizada, por uma interpretação pelo General Wirantu. Como se sabe, homem sem qualidades, incluindo as artísticas, e também sem feelings...

Mas depois temos Cry me a river. Será que me vai convencer a não ouvir repetidamente Diana Krall? Summertime, como seria "obrigatório", quantas versões há? Mas entre as menos clássicas oiço com frequência, e com prazer, a de Tori Amos. Smoke gets in your eyes , igualmente "obrigatória", para somarmos às mil e uma versões existentes. Aqui, será que me vai fazer substituir a versão de Brian Ferry e, sobretudo, a de Nana Mouskouri? Claro que, "vozes fora", nada como a versão estritamente jazzistica de David Sanborn.

Mas o que dizer da inclusão de Love me Tender, popularizada por Elvis Presley? E para culminar esta miscelânia, algo de mais recente, e talvez mais surpreendente, ou talvez não, tendo em conta a antiguidade dos clássicos anteriores, Come as you are de Kurt Cobain dos Nirvana. O músico sobre cujo suicídio tantos admiradores escreveram, e do qual agora se levanta a hipótese de, à boa maneira do showbizz, não se ter suicidado mas sim ter sido "suicidado"...

É, de facto, um vol d'oiseau sobre o "cancioneiro norte-americano", este novo trabalho de Caetano. As suas qualidades vocais e a sua sensibilidade para a interpretação de outros hits clássicos deixam-nos, no mínimo, curiosos para saber até onde a versatilidade de Caetano nos pode conduzir, como admiradores das suas interpretações. Das declarações de amor à américa latina e à sua histórica guerrilha, passando por outras coisas mais "softs", até este regresso a uma certa nostalgia dos clássicos, própria da idade madura, já revelada na trilha musical do filme de Almodovar... E agora? O que mais poderemos esperar? Vamos comprar, ouvir e veremos...ou não é, também, aquilo que Caetano espera de nós, consumidores do seu trabalho, ao estar sempre tão atento à "crista da onda" e ao mercado das modas, do pensamento e da música? Caetano Veloso (ou a sua editora?) não deixa, inclusive, por mãos alheias, o trabalho de marketing necessário, adaptando o registo ao contexto nacional em que as suas entrevistas são produzidas. Tudo previsto, nada improvisado. Veja-se o conteúdo das suas declarações para o público brasileiro e compare-se com o registo de outras entrevistas dadas em Londres (em série) para jornalistas de várias nacionalidades.

Lógica global, especificidades locais.

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"O alienígena Caetano Veloso canta em inglês

Compositor baiano repassa a nata do cancioneiro norte-americano em seu novo álbum - de Cole Porter a Kurt Cobain

Ele já foi araçá azul, jóia, bicho, totalmente demais, estrangeiro e até qualquer coisa. Agora, se considera um alienígena ao lançar o álbum A Foreign Sound. Caetano Veloso mergulhou nos standards norte-americanos num disco gravado no Brasil, só com músicos brasileiros. “A escolha dessas músicas foi um problema o tempo todo. Tudo me fez sofrer: deixei de gravar algumas, amadurecer canções que não estavam assentadas em mim... o disco acabou ficando longo, ninguém vai ouvir inteiro!”, diz Caetano. São 23 faixas, que vão desde Cole Porter (lembrado em Love for Sale e So in Love) até Kurt Cobain (Come as You Are). “É uma seleção demasiadamente variada. É um disco alienígena para brasileiros, americanos, para mim...”, classifica.

Durante coletiva realizada no hotel Copacabana Palace (RJ), o cantor contou que a idéia de um disco de canções norte-americanas surgiu quando ele estava no exílio, em 1970. “Mas depois desisti. Tudo é meio vago, vários fatores me levaram a fazer o disco agora, que eu nem desisti nem adiei mais”, tenta explicar. Ele lembra que o CD foi feito em meio a muitas interrupções devido a suas excursões e às de Jaques Morelembaum (co-produtor do disco, ao lado de Caetano). “Foi uma demora que me deixou impaciente, querendo fazer outras coisas. Mas que acabou aumentando os momentos prazeirosos no estúdio”, conta.

Entre essas várias coisas que Caetano pensou em fazer, estão um disco de samba e outro de canções sentimentais. “Tenho vontade de fazer composições novas. Até fiz um samba, Diferentemente, que cantei no Bareto (casa noturna de São Paulo). Este desejo está aqui dentro, vários esboços apareceram mas tive que reprimir. Aguardem, que haverá o retorno do recalcado!”, brinca. Por enquanto, Caetano está fazendo a trilha do novo espetáculo do grupo de dança Corpo, gravada no estúdio de Carlinhos Brown na Bahia, e também a do próximo filme do cineasta Jorge Furtado, Meu Tio Matou um Cara.

Segundo Caetano, as canções de A Foreign Sound são exemplos de perfeição de estrutura. “Eu até queria gravar Is This Love, de Bob Marley, algo canadense, de Trinidad e Tobago, mas acabaram entrando só as americanas”, diz. E comenta as versões que fez para algumas delas: “Body and Soul (Sour/Green/Heyman/Eyton) gravei só com o violão. Depois chamamos o Zeca Assumpção e Ricardo Silveira, ficou (em um ritmo) 4/4 simples. Já The Man I Love (George & Ira Gershwin) toquei em casa sonoridade rock, ficou bem magro, bonito. E Stardust (Hoagy Carmichael), com Armandinho tocando bandolim elétrico, aumentou seu parentesco com o choro.”

Caetano também destaca a presença de Feelings, dizendo que a música é um “nó” no disco. “É uma falsa canção americana feita por um brasileiro (Morris Albert) em São Paulo. Feelings ganhou uma versão punk dos meninos do Offspring, que substituíram ‘love’ por ‘hate’ (ódio). Eu a tratei sem ironia e dediquei a David Byrne, que esse nome a um de seus álbuns”, conta o cantor. O disco ainda traz The Carioca (Eliscu/Kahn/Youmans) - “Uma falsa música de país tropical, levada por uma percussão baiana que é um ritmo tropical inventado”, comenta – e Love Me Tender (Presley/Vera Matson), sobre a qual Caetano fala: “É a mais antiga do disco, é do século XIX e fizeram a letra para Elvis Presley cantar. Gravei para meu filho Zeca, que a tocava muito ao piano.”

Quanto à escolha das canções e a forma como elas entraram em sua vida, Caetano relata, sem deixar de causar surpresa sobre suas preferências: “Sou muito passivo para música, consumo involuntariamente. Mas tenho ouvido funk, essa semana fui a duas festas nas quais o DJ Marlboro estava tocando. Hoje, são milhões de pessoas envolvidas nesse movimento e não querer reconhecer isso é ser babaca. Não é o meu caso.” O baiano não demonstra nenhuma expectativa em relação ao disco no mercado exterior. “Não acho que vá ser tão relevante nos Estados Unidos, afinal há tantos lançamentos, de tantos lugares, nesse estilo! E essa coisa de lançamento simultâneo é expectativa de gravadora, não tenho nada a ver com isso.”


(Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro, CliqueMusic, 07/04/2004)

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