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Que tempos difíceis estes...
Sobre a volatilidade do "pensamento político" de Caetano Veloso, ironiza Francisco José Viegas no Aviz. Em A Praia Ivan Nunes sai em defesa de Caetano, relembrando a origem da sua corrente estética para justificar uma endémica relação daquele com a cultura norte-americana, mais floating. O que lhe valeu, a ele e a todo o movimento tropicalista, na primeira fase, sérios antagonismos do movimento MPB. Este último, mais empenhado politicamente, ao invés do tropicalismo, que por se pretender tributário da cultura pop norte-americana encerrava uma perspectiva mais "deepthlessness".
Por outro lado, refere o Ivan Nunes, uma série de valores, princípios e legados políticos e intelectuais, que fazendo parte do património ideológico da esquerda contemporânea, têm origem, precisamente, nos EUA.
Como muito bem exprime António Barreto, estão difíceis os tempos hoje. Mas estão difíceis, também, porque os nossos quadros de leitura do mundo se tornaram menos dicotómicos, mais densos, menos simplistas, mais exigentes. Na verdade aquelas oposições duraram pouco. Logo nos anos setenta Chico Buarque reconcilia-se com o tropicalismo e os tropicalistas haviam de progredir para uma perspectiva estética menos "surfaceness".
Em todo o caso nem todos amadurecem, de igual modo, com a idade. Gilberto Gil, por exemplo, denota hoje uma maturidade e uma sensatez, nas suas apreciações sobre o papel da cultura no mundo contemporâneo e na sua perspectiva política, que não encontramos no "pensamento politico" de Caetano. Este parece, de facto, preso ao simplismo "surfaceness" e floating de uma determinada cultura pop norte-americana. Sim, porque importa frisar que dentro da própria cultura pop, por definição, encontramos também uma miríade de insights de sentidos e alcances muito distintos.
Se quanto à qualidade estética do seu trabalho, Caetano merece a nossa preferência e admiração, mais do que Gil, do qual subtraimos a excelente participação no festival de Jazz de Montreux, senão estou em erro de 1976, que possuimos em vinil para os arquivos da nossa história e da memória - já quanto às suas intervenções no plano político, estamos conversados. Entre outras coisas, relembremos a resposta recente sobre o que pensava de Bin Laden, a sua adesão a uma "ideia peregrina" de ajuste de contas com a história da escravatura e do colonialismo e por aí adiante.
Ao contrário do que refere Ivan Nunes, não me parece que Caetano Veloso se antecipe a coisa alguma em matéria política, e a credibilidade do seu "pensamento político" situa-se na razão inversa da qualidade estética do seu trabalho como compositor e cantor.
Deixando Caetano entregue ao que melhor sabe fazer, vejamos agora a segunda questão do post de Ivan Nunes: a questão do anti-americanismo. Uma vez mais apelo ao excelente texto de António Barreto, para frisar que os tempos estão difíceis, porque falar de "anti-americanismo" merece alguma cautela. O que defendo é, então, que há entre os americanos muitos "anti-americanistas", no sentido em que uma parte deles renega e não se identifica com aquele património ideológico que o Ivan refere, remetendo-o para a esquerda contemporânea. Reconheço que há uma vaga de anti-americanismo, até primário, onde se penduram alguns arautos de regimes totalitários que conhecemos e um certo saudosismo das dicotomias e oposições simplistas. O mundo, e o conhecimento que dele temos hoje, não se compadece com tais perspectivas. Pois bem, é precisamente isso que uma certa oposição à actual política norte-americana, pretende frisar. Não se trata de anti-americanismo, mas sim de um antagonismo ao fanatismo daqueles que, situem-se à esquerda, ou à direita, sejam americanos, ou não, convivem mal com aquele legado político, aqueles valores e princípios, que o Ivan Nunes, refere, e bem, como sendo quase todos eles originários, e parte integrante, de uma cultura norte-americana que se universalizou (pelo menos ao universo da nossa cultura ocidental).
Morreu François Ascher
Há 15 anos
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