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Sobre as comemorações do 25 de Abril
Não abordando o tema, agora, no plano do humor, julgo que a ideia de fazer cair o R, mais do que uma provocação revanchista por parte de sectores que lidam mal com o facto histórico em questão, denuncia sobretudo uma perspectiva de compromisso.
Um compromisso, perante a presença daqueles sectores no poder, na actual conjuntura. Parece-me evidente que o Primeiro-Ministro, tal como a grande maioria do seu partido, não devem, e não desejarão, ser confundidos com aqueles sectores e que, mais tarde ou mais cedo, vão necessitar de deles se demarcarem. É em episódios como o da pastilha elástica na parada militar, e outros ocorridos nas comemorações do passado dia 25, que a falta de estatura de estadista, falta de maturidade, e até falta de educação, é revelada pelo Ministro da Defesa da actual conjuntura política. Mas tal não é o fundamental. O que de facto aquele comportamento revela é a incomodidade com que aqueles sectores ainda lidam hoje com o significado do 25 de Abril de 1974. É devido a episódios como este, que a clássica dicotomia entre esquerda e direita, que alguns julgam irremediavelmente ultrapassada, se revela nos actos dos que, arrogantemente, fazem questão de nos lembrar que aquelas oposições dicotómicas, afinal, sempre continuam operativas. O seu comportamento cívico nas cerimónias daquele dia, em contraste com a postura de todos os restantes sectores político-partidários, é disso evidência irrefutável.
O dia 25 de Abril de 1974 deveria ser comemorado como um momento da História do país que representa uma ruptura de regime político em Portugal e ponto final. Esse é o facto histórico, e esse é o seu significado consensual, entre todos os que prezam a liberdade e a democracia que os acontecimentos daquele dia permitiram. Aqui não deveria ser necessário estabelecer, como o foi, compromissos conjunturais.
Não faz qualquer sentido a ideia de comemorar um processo revolucionário que só se teria iniciado no dia 26, como não o faz, a tentação de comemorar o dia 25 de Novembro de 1975, enquanto marco histórico alternativo ao 25 de Abril. Tudo o que a partir do dia 26 de passou será passível de divergências, de antagonismos, diversidade de opiniões, e até de ainda despoletar paixões e ódios. Agora, que o dia 25 de Abril, e o que ele significou, ainda hoje dividam a sociedade portuguesa, ao ponto de haver necessidade de dissimular o seu verdadeiro sentido, isso já me parece um sinal claro de que, pelo menos entre nós, não só perdura a clássica dicotomia esquerda-direita, como uma deliberada vontade política de deixar claro que uma certa direita, antagónica aos valores e princípios democráticos, mora presentemente no governo de Portugal.
Foi um tal facto que exigiu a necessidade de um compromisso que terá conduzido à pretensa valorização da dimensão do desenvolvimento que o 25 de Abril permitiu. Com a vantagem acrescida, para o governo, de permitir capitalizar a natureza positiva desse facto, já que no momento actual, lideraria ele a locomotiva desse desenvolvimento.
Em si mesma a ideia da campanha promocional não merece discussão por tão óbvia que se apresenta. Não têm número os estudos sociológicos que demonstram as múltiplas dimensões desse desenvolvimento, registado nos últimos 30 anos, como aliás, já evidenciavam essa tendência há dez e até há vinte anos. Trata-se de um processo evolutivo, globalmente favorável, não só para o crescimento económico como, de facto, para o próprio desenvolvimento.
Mas será que em 30 anos, com condições favoráveis sob diversos pontos de vista, algumas delas com origem antes ainda da ruptura permitida pelo 25 de Abril, partindo de um patamar de extremo atraso estrutural, beneficiando de uma abertura política, económica, social e cultural, que não sendo estritamente necessárias a um certo crescimento económico, são-no ao desenvolvimento propriamente dito, e finalmente, beneficiando do acesso aos fundos financeiros comunitários; poderemos julgar como admirável e excepcional, o nível de desenvolvimento actual atingido pelo país? Não me parece.
Julgo, inclusive, que apesar da tendência globalmente positiva daquela evolução, com a excepcionalidade de condições favoráveis que o país teve, deveríamos estar, 30 anos volvidos, a comemorar o facto de termos atingido um nível de desenvolvimento mais avançado. Quando tomamos para comparação as médias da União Europeia, é sabido como o país, maugrado o grande impulso dos últimos 30 anos, se situa dramaticamente abaixo daquelas médias na grande maioria dos indicadores. Isso é particularmente revelador do seu atraso estrutural, quando aferidos os indicadores que hoje mais contam para os factores estruturantes do desenvolvimento, como sejam os níveis de educação formal, a qualificação do emprego, as competências organizacionais e de gestão, a inovação científica e tecnológica.
Ao invés de uma campanha promocional e mediática, reduzida a alguma despesa pública com outdoors, anúncios de jornal e spots publicitários televisivos, efémeros e inconsequentes; as comemorações dos 30 anos do 25 de Abril - quisessem elas enaltecer o desenvolvimento e a democracia que o propiciou - deveriam permitir de forma alargada, e em profundidade, debater o caminho percorrido e o que ainda nos falta percorrer, em matéria de desenvolvimento. Reflectir, não só a auto-satisfação com os sucessos já alcançados, mas preferencialmente o que importa fazer e o que importa mudar na sociedade portuguesa para adaptarmos o nosso patamar de exigência aos desafios que o mundo contemporâneo, e os tempos que se avizinham, nos colocam. Teria sido possível fazê-lo de forma cívica, difundindo práticas de uma cultura de cidadania activa, onde ainda somos tão deficitários, e até de uma forma festiva, comemorativa, e criativa. Essa seria a melhor homenagem que poderíamos prestar à democracia e ao nosso desenvolvimento enquanto economia, enquanto sociedade e enquanto Nação. A melhor comemoração dos 30 anos do 25 de Abril.
Morreu François Ascher
Há 15 anos