terça-feira, julho 20, 2004

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Como lidar, à esquerda, com a cultura promocional contemporânea?

Muitos comentadores laboram, a meu ver, num erro fatal a propósito da relação dos políticos com os media. Esquecem que para o bem e para o mal a cultura dominante nas sociedades contemporâneas de regime económico capitalista, é também uma cultura promocional, como escreveu o sociólogo americano Andrew Wernick. Sumariamente quer isto dizer que a lógica da mercadorização, própria das sociedades em que vivemos, extravasou a esfera restrita da economia, ou mais particularmente, a esfera da produção e consumo de bens, e se situa agora, também, nas restantes esferas dessas sociedades. O mundo do emprego, a saúde, a universidade, a informação, a política. Ora, ninguém, e muito menos um político que pretenda liderar um partido e assumir a governação de um país, poderá ignorar esse facto. A questão está em saber da natureza e tipo de relação que pretende estabelecer com essa cultura promocional. Há os que a tomam em sentido acrítico e dão o corpo e a alma a uma noção minimalista e acéfala, fácil e pretensamente "nova" na relação com os media, o marketing e a lógica promocional dos tempos contemporâneos. Julgo ser o caso de Santana Lopes e do que se tem designado de "nova direita". Esta "nova direita", entre nós, de novo tem pouco mais do que um entendimento superficial do que está em jogo com as mudanças em curso. Há também os que a sabem utilizar, de modo significativamente diverso e aos quais reconheço, malgré tout, maior seriedade política e maior justeza no posicionamento face à exposição mediática. Postulam, de resto, uma perspectiva política inconfundível com a anterior e situam-se no que poderemos designar da "nova esquerda". Em Portugal protagonizada, no presente, pela candidatura de José Sócrates à liderança do Partido Socialista. Enferma, no entanto, o presente caso, do facto desta nova postura de esquerda estar ancorada, no que de mais velho existe no PS, o contrapeso nefasto para a democracia e a gestão da coisa pública, que é o aparelho partidário. Não partilhando da ideia que o discurso de Sócrates seja o equivalente funcional do de Santana, no espectro político da esquerda, julgo, no entanto, estar longe do entendimento necessário do que está em jogo, nos tempos contemporâneos. De igual modo não vejo em Sócrates o substracto político e a abrangência de formação requeridas para liderar, com êxito, uma política de esquerda capaz de lidar com os desafios que aí vêm, nomeadamente, o de saber como lidar com o populismo esotérico e vazio que o novo governo de direita representa, bem como, protagonizar a relação ajustada que se impõe, à esquerda, face à inevitabilidade da cultura promocional dos tempos actuais e vindouros. Perante tudo isto vimos recentemente emergir no seio do PS uma alternativa, certamente de médio prazo, mas a alternativa que me parece necessária ao PS, para lidar com a nova realidade acima enunciada. Em minha opinião tal alternativa é corporizada por Augusto Santos Silva. Por aí sim, o Partido Socialista conseguirá constituir-se numa alternativa credível a prazo. Esse é o caminho longo a percorrer e Augusto Santos Silva não constitui, apenas, as pernas capazes para efectuarem caminhos longos, ele consubstancia também a cabeça necessária para pensar esses caminhos. Pela sua formação, sabe bem como a cultura promocional contemporânea é inelutável, mas pelas suas opções políticas e éticas sabe, igualmente, como uma postura de esquerda deve, sem a ignorar, relacionar-se com ela de modo socialmente útil, politicamente eficaz e éticamente responsável.

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