quinta-feira, setembro 08, 2005

Katrina: The American Beauty

1. O que espanta é o espanto subitamente demonstrado, por pessoas geralmente bem informadas, sobre a "outra face" dos EUA que agora veio à tona mediática com os efeitos do furacão Katrina, nomeadamente na cidade de Nova Orleães. Embora não seja uma realidade tão recorrente nos media como a América da NASA, da Microsoft e do MacDonalds, a América das profundas desigualdades sociais, da segregação racial das suas cidades e da pobreza urbana é suficientemente difundida na literatura, no cinema e, apesar de tudo, nos media impressos, para ser do conhecimento comum.

2. Aos que persistem em vislumbrar "anti-americanismo" na constatação daquele facto, chama-se aqui a atenção para o facto de ter sido nos EUA que nasceu (no início do séc.XX) um ramo especializado da sociologia - a sociologia urbana - que ficou a dever o seu êxito [porventura muito superior ao que possui na europa], em boa parte devido ao apoio ao seu desenvolvimento que recebeu do poder político norte-americano, justamente numa tentativa de procurar solucionar, ou minimizar, as situações de pobreza e de discriminação racial geradas nas cidades norte-americanas e sobre as quais o poder político norte-americano de então tinha perfeita consciência e manifesta preocupação.

3. Que a questão da pobreza nos EUA é indissociável da questão racial, é algo que constitui uma evidência empírica comprovada por todos os estudos sociológicos americanos sobre tal temática, desde o início do século vinte até à actualidade. Seria impossível enumerar aqui todos esses estudos. No Canhoto RPP chamou a atenção para um deles (American Apartheid. Segregation and the Making of the Underclass). É do conhecimento comum a estratificação racial da pobreza norte-americana, onde a população negra está sobrerepresentada. Do mesmo modo que é do conhecimento comum a profunda segregação residencial, de natureza classista e racial, das cidades norte-americanas. Peter Marcuse da Columbia University demonstra essa realidade no caso da cidade de Nova York, com base no mapeamento dos habitantes da cidade segundo a sua pertença racial e a sua residência, analisando as razões para a continuidade e reforço dessa "guetização" no que chama "cidade pós-fordista", no caso americano. [ Cf. MARCUSE, Peter, (1996), "Space and Race in the Post-fordist City: The Outcast Ghetto and Advanced Homelesseness in the United States Today", in MINGIONI, Enzo (ed.), Urban Poverty and the Underclass,Cambridge, Massachusetts, Blackwell Publishers.]

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