sexta-feira, agosto 27, 2004

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Existe em Portugal um Estado de Direito Democrático?

Fiquei agora a saber que um magistrado não pode apreciar e decidir sobre um caso em que seja arguido alguém que partilhe da sua filiação partidária. Quer isto dizer, então, que os tribunais são, não orgãos isentos, mas instâncias cujas decisões são influenciadas subjectivamente? Como se se tratasse de esferas sociais como a família, o grupo de amigos, onde necessariamente as opiniões e apreciações estão compreensivelmente contamindas pelo subjectivismo dos sentimentos? Sempre julguei que os tribunais decidissem independentemente desse tipo de relações de natureza subjectiva. Na minha actividade, nunca perguntei a um aluno examinado se ele votava ou era militante do partido no qual eu próprio voto, para decidir da classificação a atribuir-lhe em função da sua resposta. Ora, tratando-se de uma decisão incomparavelmente bem mais importante e da qual se exige objectividade absoluta, não entendo o porquê de se levantar a hipótese de relação de favor. Podemos, nessa linha de raciocínio, questionar se tratando-se de um juiz com simpatia, filiação partidária e até militância, em outro partido que não aquele do arguido, não haveria menor imparcialidade da decisão no sentido, agora, de prejudicar o indivíduo alvo dessa decisão.

Quanto ao tratamento dado a esta questão na blogosfera, compreendo e considero-a aceitável a postura e os argumentos do Paulo Gorjão. Nela não vejo qualquer juízo de intenção. O mesmo não me parece do blog Do Portugal Profundo, o qual manifestamente toma partido, não de agora, no caso em apreço. Mais, a colocação naquele blog do texto entregue pelo Ministério Público ao tribunal que o vai apreciar para decisão, significa o quê? Lamento ainda mais que Pacheco Pereira, que em relação a esta matéria tem tido uma postura correcta, não tenha resistido, e ainda que nada dizendo não deixa de chamar a atenção para aqueles posts do blog Do Portugal Profundo acima referidos, deixando transparecer uma sub-reptícia adesão à postura de suspeita que se pretende difundir sobre a questão.

Finalmente, este episódio, revela bem a imaturidade da democracia portuguesa e as dúvidas que podemos colocar ao nosso Estado de Direito, onde os partidos, ao invés de organizações de natureza institucional e nacional, são confundíveis com famílias, relações de parentesco, grupos de amigos, ou até organizações secretas com rituais de cumplicidades baseadas em juras de sangue, devoção a elementos simbólicos, quais seitas, menos próprias das sociedades modernas do século XXI e mais ajustadas a modelos sociais regidos por solidariedades mecânicas.
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Desporto, nações e frustrações

O desporto até é, na maior parte dos casos, uma actividade estética, saudável, apaixonante. Permite a competição e a cooperação, próprias da natureza humana, diriam alguns, sendo como tal, uma actividade tão antiga como a própria humanidade. Por isso, não vivemos sem ele. Uns praticam-no, outros assistem-no e outros ainda deleitam-se a observá-lo. Até aqui tudo bem. Mas o desporto é também, como todas as actividades que envolvem os homens tão intensamente quanto a sua própria natureza, alvo de interesses económicos, políticos, de captação de capitais financeiros ou sociais, de prestígio, enquanto escada para atingir outros fins. Aí está tudo estragado. Mas pior ainda que tudo isto é o desporto como território de nacionalismos, ou campo de batalha dos humanos com as suas próprias frustrações. Nos tempos que correm, entre nós, esta última vertente é particularmente visível na triste figura de criaturas que depositam toda a sua energia numa deslocação, pela madrugada, a um aeroporto, para aí insultarem aqueles que não cumpriram a sua obrigação de compensar as suas frustrações com um governo que não governa, um salário que não cresce, um carro que apodrece, uma casa que teima em ter prestações para pagar. Inversamente, transformam em Zeus aquele que no Olimpo lhes devolve a felicidade de honrar a Nação, que outra honra não tem senão aquela de vencer uma prova desportiva envergando a bandeira da pátria amada. Ainda que esse alguém seja o mesmo que diariamente é objecto daquelas mesmas frustrações e como tal odiado por, não sendo da Nação, nela ter procurado abrigo, coisa incompreensível para os nossos nacionalistas que depois choram, porque no fundo são uns sentimentais. Contraditório é este território do nacionalismo no desporto. Perplexos são estes tempos para os nacionalistas do desporto e desportistas da nacionalidade, quando são outros que não os nacionais aqueles que lhes devolvem a felicidade desse sentimento de exaltação a que chamam Nação. Já lá vão os tempos em que Hitler usou o desporto para tais fins. Já lá vão, também, os tempos em que a União Soviética, um Estado-nações o usou como emblema do céu na terra. Ou a RDA, na sua afirmação de país-satélite do paraíso do socialismo real perante uma RFA quartel capitalista e militar americano. Já lá vão, também, os tempos em que os EUA, evidenciavam aí a sua potência de líder incontestável do "mundo livre", perante as ditaduras da cortina de ferro. Se o desporto olímpico dá alguns sinais de esbatimento das fronteiras das nações, com atletas multinacionais, com origem nos processos migratórios intensificados à escala global; o futebol é, para quem quiser ver, um paradigma de como nos tempos globais em que vivemos, a utilização de Eusébio e Coluna, como demonstração de um Império nacional, foi lá atrás, em outros tempos sem retorno. O esforço olímpico daquele que ainda é o representante máximo desta Nação, na tentativa que já se tornou rídicula de evidenciar a Nação positiva, ganhadora e de sucesso, é o melhor exemplo do estado triste a que a Nação chegou. Veja-se a dimensão dos resultados olímpicos nacionais, quando comparados com a atenção dada ao evento por Jorge Sampaio, deslocando-se à Grécia, mostrando-se pai da Nação aos media e neles dedicando longa e maturada reflexão escrita sobre um tal tema, com uma profundidade de análise assaz avassaladora. Ao que a Nação chegou...

quinta-feira, agosto 26, 2004

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Não nos percamos por entre a poeira

Sobre como deveria o partido socialista, e as oposições em geral, lidar com a onda populista que assola o país, e uma parte do mundo, vale a pena ler, até ao fim, este texto do PAS no País Relativo. Coloca os acentos no sítio certo, quanto a esta matéria, na linha do que em tempos escreveu Augusto Santos Silva no Público e que aqui tivemos oportunidade de referir.

terça-feira, agosto 24, 2004

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(Paul Cézanne)

Matéria Solar

28.


Dormíamos nus
no interior dos frutos.

É o que temos: sono
e a estiagem subitamente
até ao fim.

Amargos.

Pela humidade descia-se
às fontes - lembro-me.
Dos lábios.

(Eugénio de Andrade)

domingo, agosto 22, 2004

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Ainda a questão da qualidade dos estudantes universitários

Ao contrário do que alguns arautos da verdade absoluta julgam, não critica quem quer mas sim quem pode. O ensino superior é um exemplo em voga, nos últimos tempos. É necessário saber-se do que se fala, em primeiro lugar, isto é, ter informação credível para o efeito e, em segundo lugar, ter autoridade para apontar o dedo. Tem, por isso, inteira razão o klépsidra neste post que vale bem a pena ser lido.
Com efeito, o tipo de "bocas" do leitor do Abrupto, mais não são do que isso mesmo: "bocas". Sem qualquer fundamentação científica. O problema existe, embora com tonalidades e origens diversas daquelas que o senso comum, incluindo o dos media e dos "cientistas ligeiros", o pintam. Deveríamos começar por interrogar a política de proliferação de Universidades privadas, desencadeada pelos governos de Cavaco Silva, e o seu contributo para o abaixamento da qualidade do ensino superior em Portugal. Por outro lado, o nível de qualidade e o tipo de expectativas de uma parte crescente dos estudantes universitários, não podem ser desenquadrados do crescendo de uma cultura ambiente no país, em que a obtenção de um diploma passou a ser veiculada, nomeadamente pelo marketing de um ensino superior mercadorizado, como um passaporte imediato para aceder a determinados estilos de vida. Trata-se, no entanto, de publicidade enganosa que apenas serve alguns interesses, particularmente aqueles que estão muito bem representados na política de crescimento do ensino superior privado em Portugal. O que está em questão não é um antagonismo à livre iniciativa, também no sector do ensino superior, mas antes os níveis de exigência para o licenciamento dessas instituições privadas, após o início da década de noventa. Desde logo, como bem refere o klépsidra, uma Universidade não é apenas uma instituição de ensino e, como tal, importaria saber que investigação é produzida nessas universidades. Acresce que o desenvolvimento da qualidade do ensino superior, e da qualidade das Universidades enquanto tal, não independe do seu financiamento. Por parte do Estado, no caso das universidades públicas, e por parte das empresas, no caso tanto das públicas como das privadas. O desinvestimento estatal no ensino superior e na investigação científica, nomeadamente nos governos do PSD, tem sido aquilo que se sabe. Quanto ao deserto do investimento privado, nem valerá a pena falar. O nosso tecido empresarial é a miséria que se sabe em vitalidade, preparação técnica e modelos de gestão. Constituído maioritariamente por empresas de muito pequena dimensão, uma parte delas na lógica familiar, na sua maioria sem uma cultura empresarial moderna e, portanto, mais orientadas por uma lógica de lucros imediatos e fáceis, procurando a melhor forma de escapar à sua responsabilidade social, do que para a sua sustentabilidade, por via dessa responsabilidade social e da aposta na inovação que implica, necessariamente, uma articulação com a investigação científica e tecnológica que se faz nas universidades. Ora, se a visão e estratégia política que temos tido nesta matéria, tem conduzido quase sempre a uma postura do Estado que é o que se conhece e se, por outro lado, o nosso tecido empresarial é aquilo que é, porque apontamos o dedo do facilitismo à Universidade e aos seus professores e estudantes, ao invés de irmos aos alicerces do problema? Em ambos os casos onde está a aposta na qualidade, no contrariar o facilitismo, no imprimir à sociedade portuguesa uma dinâmica de desenvolvimento, como se observa em países com os quais gostamos de comparar a qualidade das nossas universidades e do nosso ensino? Então, porque atacamos o ensino superior, os seus professores e os seus estudantes, acusando-os de facilitismo, sem olharmos primeiro para os factores que poderiam estruturar de outro modo, não só as universidades e o ensino nelas ministrado, como a economia e a sociedade em que essas universidades se inserem?

quinta-feira, agosto 19, 2004

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Wonderful Tonight




It's late in the evening; she's wondering what clothes to wear.
She puts on her make-up and brushes her long blonde hair.
And then she asks me, "Do I look all right?"
And I say, "Yes, you look wonderful tonight."


We go to a party and everyone turns to see
This beautiful lady that's walking around with me.
And then she asks me, "Do you feel all right?"
And I say, "Yes, I feel wonderful tonight."


I feel wonderful because I see
The love light in your eyes.
And the wonder of it all
Is that you just don't realize how much I love you.


It's time to go home now and I've got an aching head,
So I give her the car keys and she helps me to bed.
And then I tell her, as I turn out the light,
I say, "My darling, you were wonderful tonight.
Oh my darling, you were wonderful tonight."

(Eric Clapton)



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Pois...está bem

A PGR não comenta a investigação sobre o caso de violação do segredo de justiça pela PGR e PJ, que ela própria, PGR, investiga, porque a investigação do caso está em segredo de justiça.

quarta-feira, agosto 18, 2004

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O país que malcriámos

Acabei de assistir à seguinte cena aqui da minha varanda. Um bom ponto de observação do quotidiano urbano dos nossos concidadãos. Uma mulher jovem não cumpriu um sinal de stop e teve de se desviar para não levar com outro carro, que sabendo da sua prioridade ameaçou levá-la ao extremo. A mulher jovem que não cumpriu a regra de trânsito vociferou contra o outro condutor e, do mesmo passo, estendeu o braço janela fora ostentando um gesto que se faz com os dedos. Ao contrário da maioria das mulheres de há trinta anos, esta mulher teve acesso a uma carta de condução, teve capacidade económica para adquirir um automóvel e tinha o corpo bronzeado pela possibilidade de fazer praia no verão. Terá outras comodidades materiais, ainda, que a maioria das mulheres de há trinta anos não tinha. Só é pena que não tenha, também, a educação e o civismo correspondentes a tudo aquilo que terá do ponto de vista material. Quando há trinta anos se iniciou um processo de desenvolvimento do país, fica agora claro, dever-se-ía ter pensado que o investimento na educação, formação e civilidade, são os pilares do desenvolvimento. Sem eles o que teremos serão apenas carros, prédios e estradas por onde passam os carros ao lado dos prédios. O país apodrece, de facto, está reles, de facto, sofre de um progressivo abaixamento do nível, de facto. Mas, o que fizémos nós das oportunidades que fomos tendo para reverter o nosso infra-desenvolvimento, ao longo dos últimos trinta anos? Esta foi a democracia que criámos, como uma menina malcriada que está, agora, a chegar à idade adulta e a mostrar-nos, como jovem mulher, a educação que não teve.

terça-feira, agosto 17, 2004

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Ser paciente ainda



O desejo de uns lábios manifesto no olhar. E o deserto, único abrigo do amor, onde buscá-lo?
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Obviamente não me demito!

Sobre o nojo de todo este processo, limito-me a recordar o que aqui escrevi em tempos. Claro que não se demite. Como podia fazê-lo? Não está já claro que houve aqui deliberada intenção de aniquilar politicamente algumas pessoas? E isso não é um trabalho encomendado? E não resultou num bom serviço à causa? Então, por que se esperava que se demitisse?

segunda-feira, agosto 16, 2004

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Fico já aqui

Eis que é chegada a semana em que o melhor local para férias é a cidade onde se vive todo o ano. Lisboa está deserta. Parece uma cidade fantasma. Os lisboetas desaguaram todos nos algarves e noutras localidades mais ou menos próximas, mais ou menos distantes daquele reino do sol e do mar. Vamos então descansar. Esticar o corpo, ler aquele livro, ouvir esta música, passear pela cidade sem carros. Não ter de esperar na fila pelo lugar na mesa do restaurante. Ir ao cinema sem mais ninguém na sala a mascar pipocas. Para quê desligar o telemóvel se não vamos incomodar ninguém? Se até esperou por nós o projeccionista cinco minutos além da hora de início previsto da sessão? Como eu gosto de possuir uma cidade assim e introduzir-me nela bem no meio de Agosto.
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Sobre a ignorância dos estudantes universitários

Mais um post de Rui Tavares com o qual estou inteiramente de acordo. Todos nós que leccionamos numa universidade sabemos que o nível geral de conhecimentos de base dos alunos tem vindo a diminuir. Na exacta medida em que tem vindo a diminuir o nível geral do país, em todas as esferas, como muito bem tem chamado à atenção Pacheco Pereira.

Em primeiro lugar, tal não implica que não continuem a chegar à Universidade muitos alunos razoavelmente preparados e alguns até muito bem munidos de conhecimentos de base. Em segundo lugar, como recorda o Rui Tavares, se os alunos ignoram as matérias, cabe ao professor colmatar-lhes essa ignorância. Ou não será assim?

A este propósito lembrei-me de uma intervenção de um colega há uns anos, numa reunião de debate sobre questões pedagógicas, em que alguns colegas nossos vociferavam, porventura até com razão, contra o estado geral de quebra da qualidade dos alunos. Dizia esse colega algo que pode parecer uma evidência. Mas por vezes é necessário lembrar algumas evidências: "Se os alunos soubessem tanto como nós, não seriam alunos, seriam professores. E se o seu nível de conhecimentos fosse de uma excelência tal que agradaria a todos nós, talvez tivéssemos nós, os docentes, de passar para o outro lado e transformarmo-nos em alunos". Ora, como refere o Rui Tavares: Menos lamentos e toca a trabalhar, pois a nossa função é precisamente ensinar aquilo que os alunos ainda desconhecem. Minimizar a sua ignorância. Quem tem saúde, vai ao hospital? Porque vão, então, as pessoas frequentar uma universidade? Não será para aprenderem o que ainda ignoram?

Post-scriptum: Aconselho vivamente, sobre esta questão, este texto que acabei de ler no País Relativo. Também o Rui Tavares retoma o tema, a propósito de um editorial de José Manuel Fernandes no Público.

sábado, agosto 14, 2004

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Silêncio

Paira um silêncio de paz sobre a cidade. Qual o brilho do olhar, agora? Para onde olham esses olhos neste preciso instante? Que gesto desenham essas mãos? Que palavras murmuram os lábios? Em que lugar te possuo a alma neste exacto momento, a caminho de ser mar?
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Claridade

Quem nunca estendeu a mão e a mergulhou no fundo das suas entranhas desconhece que há luz e trevas dentro de cada ser humano. O bem e o mal em doses desiguais navegam nos mares profundos de todas as mentes. A cada um de nós a capacidade de atingir um estádio de alma superior, onde só essa claridade orienta o percurso da mão. Ilumina os nossos gestos. Tudo o mais nada vale.

quinta-feira, agosto 12, 2004

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Ser paciente



ESPERA

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

(Eugénio de Andrade)

quarta-feira, agosto 11, 2004

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Hoje em Casablanca



O muro é branco
e bruscamente
sobre o branco do muro cai a noite.

Há um cavalo próximo do silêncio,
uma pedra fria sobre a boca,
pedra cega de sono.

Amar-te-ía de viesses agora
ou inclinasses
o teu rosto sobre o meu tão puro
e tão perdido,
ó vida.

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, agosto 10, 2004

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Doutora Filomena e os seus erros ortográficos

Descubro aqui e aqui referências aos erros ortográficos, pelo que agora sei já célebres, de Maria Filomena Mónica. Também eu, em tempos, me dei conta desses erros num texto publicado por MFM no Público. Pensei, então, escrever aqui, não a propósito dos pontapés na gramática de MFM, mas sim do seu pretenso elitismo cultural, ou intelectual.

Filomena Mónica faz parte de um grupo de gente que cultiva esse suposto elitismo, mas que à primeira curva escorrega nos seus próprios argumentos e estampa-se na ridicularia do culto da cultura cultivada, embrulhada em discursos de uma suposta superioridade intelectual e cultural, que mais não são do que papel de conhecimento enciclopédico, quantas vezes colado com cola recente.

Quis eu, em tempos, escrever a propósito das posições que MFM defendeu numa entrevista a Maria João Avilez na SIC Notícias. Acabei por nada escrever pois tive mais que fazer. Recordaram-me agora aquela entrevista. Defendia aí, MFM, a crítica ao "estado actual do ensino superior", à "mediocridade" do mesmo e também, do mesmo passo, ao facto dos mortais investigadores, alunos ou outros, que não autorizados por um Professor Catedrático, acederem a certas fontes documentais históricas na Biblioteca Nacional. Sim, que isto da investigação histórica, não pode estar ao alcance de qualquer um...

Pois bem. Em primeiro lugar, importa esclarecer para quem o desconheça, que MFM não é, ao contrário do que deixa passar sem correcção nessa entrevista, professora universitária. É sim, investigadora de um instituto de investigação estatal. O conhecimento que possui do ensino superior é, portanto, "apanhado de ouvido" e não por qualquer experiência própria, que não possui há mais de, pelo menos, vinte e cinco anos. Embora aquele instituto confira os graus de Mestre e Doutor, não se trata de uma instituição de ensino superior, em sentido próprio, para que MFM entenda o que quer que seja sobre a realidade de que fala.

Em segundo lugar, a questão dos pontapés na gramática. Quem nunca se deu conta de ter dado o seu erro ortográfico que atire a primeira pedra. Tenho corrigido aqui, na blogosfera, erros como aqueles com que Maria Filomena Mónica brinda os seus leitores nas crónicas do Público. Faço-o apenas, devo reconhecer a minha subjectividade, aos blogs que aprecio. Pedindo-lhes que me corrijam, igualmente, algum erro ou gralha que detectem aqui no FC. Afinal os prontuários e correctores ortográficos existem para corrigir os erros.

Os erros ortográficos são, para mim, uma questão de estética da nossa expressão escrita e de rigor no uso, neste caso, da língua materna. Por isso os corrijo nos meus alunos e a todos aqueles de quem leio, com prazer, os respectivos textos. Jamais me atreveria a corrigi-los em alguns arautos do elitismo intelectual e cultural, como MFM, que também pululam na blogosfera. Nesses, os erros ortográficos são inadmissíveis, perante a sua própria auto-imagem. Mas eu, por exemplo, cuja formação de base já foi feita, em parte, no período errático do ensino em Portugal, darei os meus erros, por mais esforçado que seja para os evitar; por mais que não receie a oportunidade de corrigir o erro, para parafrasear um homem do conhecimento, esse sim - à semelhança de outros que compõem a história e a contemporaneidade das nossas universidades - me merece a mais elevada consideração e perante a sua humildade grandiosa me curvo.

Em Maria Filomena Mónica, ao contrário, os erros ortográficos são, indesculpáveis, pela simples razão que traem uma pretensa superioridade intelectual de casta, manifesta na arrogância com que defende o que defende. Mas, ao contrário dos grandes intelectuais portugueses, muitos dos quais estão, ou estiveram, nas nossas universidades, cultivando o rigor do conhecimento, mas igualmente a humildade que os engrandece e a defesa do princípio da democraticidade no acesso ao conhecimento e à cultura - Maria Filomena Mónica, afinal, dá erros ortográficos primários que, se o soubesse, criticaria nos outros. E, no entanto, Maria Filomena Mónica, não terá sido vítima da “mediocridade do ensino superior que temos”, ou da desgraça que no após 25 de Abril de 1974 foi caindo sobre o ensino básico e secundário. E isso é, de facto, lamentável da parte de quem se pretende uma aristocrata do conhecimento e da cultura.
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Carícia

Apesar de sombrias nuvens a caminho de outros lugares, agradeço aos deuses a inesperada carícia na face, desta aragem, nos primeiros dias de Agosto.

segunda-feira, agosto 09, 2004

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Coração do dia



Tu que sentes todos os gestos, adivinhas todos os segundos e quase antecipas todos os momentos. Diz-me. Hoje, chove ou faz sol em Casablanca?

domingo, agosto 08, 2004

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Sobre o F9/11

Fui, finalmente, ver o documentário de propaganda sobre o qual tanto se tem escrito. Não é um grande produto cinematográfico. Manipula, como convém a um filme de propaganda. Deturpará alguns factos também. Parte, não de uma interrogação mas de uma resposta para depois colocar questões. Todas elas com respostas prévias. Sem dúvida. Sequência fílmica sem guião, ao sabor do vento. Mas muitos dos factos relatados não são novidade para ninguém. São factualmente verdadeiros e conhecidos de todos nós através dos media mais diversos.

O que importa, para lá do filme, é o facto de a maior potência mundial ter ao leme um homem como George W. Bush. Isso é deveras preocupante para a humanidade e é um sinal dos tempos. O que se passa aqui no nosso cantinho à beira-mar é afinal compreensível, também, à luz do que vai sucedendo à democracia um pouco por esse mundo fora. Ora, os EUA têm, e provavelmente terão por muitos anos ainda, um presidente como Bush e a respectiva "política", devido a doís factores interligados decisivos para o sucesso dos Bushs deste mundo: O medo e a ignorância. O medo do "estranho". Isto é, o "Outro" cultural. O estrangeiro. Tudo o que diverge do nosso pequeno universo. A ignorância cultural e política, terreno fértil para o medo do Outro e o sucesso daqueles que nos prometem o céu num mundo, afinal, tão medonho. Um mundo que na realidade a maioria esmagadora do povo americano desconhece na sua cultura, na sua geografia, na sua socio-economia, na sua forma de organização política. Isto é a ignorância que os Bushs podem facilmente explorar para ganharem eleições, comandarem países, o mundo, e a partir daí defenderem interesses económicos particulares. Da sua família. Das famílias sauditas. Das famílias de alguns amigos. Dos congressistas. Dos senadores. Nunca os interesses da Nação americana. Nunca os superiores interesses do povo americano. Muito menos o interesse da humanidade. Isto é o que importa subtrair do F9/11. Embora não precisássemos do filme de Moore para o fazer. O resto são polémicas estéreis.

sábado, agosto 07, 2004

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Respirar o mesmo ar

Espanto é o título deste post. Espanto meu, também, o facto de encontrar aqui na blogosfera textos que são dos mais belos poemas que já li. O que eu agora queria escrever era um texto belíssimo, como este que encontrei no Respirar o mesmo ar:

"Quanto tu me olhas, mas só quando tu me olhas, assim pleno, cheio, barafustante de energia, uma vontade de contar histórias, de dançar, de amar, invade-me. Fico trémulo de espanto. Como se pode ser tão feliz não tendo nada. Tendo tanto nada. Até esse teu olhar que por momentos me confias eu sei, não me pertence".

JPN
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(George Seurat)

MADRIGAL

Agora
onde te despes
é verão:
tudo acolhe
e afaga
o que teu corpo tem
de concha
molhada.

(Eugénio de Andrade)

sexta-feira, agosto 06, 2004

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A literacia do nosso empresariado

Seremos um dia um país desenvolvido, de vocação turística ou não, quando nenhum proprietário de uma residencial ignorar que a sua residencial, ou outra qualquer, não se escreve com acento circunflexo, impedindo que esse seja o primeiro contacto visual, a primeira imagem de marca, que identifica o seu empreendimento empresarial.
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O fim do blog multimedia

Vários leitores entre a dezena e meia de resistentes, comunicaram-me a lentidão do carregamento do FC, desde que comecei a incluir ficheiros audio. Na verdade, aqueles ficheiros pesam alguns "mega kilo bytes". Estranho é o facto de tal anomalia não ser perceptível em nenhum dos pc's que uso para aceder à net. Mas que não seja por isso que o FC não volte ao seu score da meia centena de visitas diárias, um record absoluto como se sabe.

quinta-feira, agosto 05, 2004

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Os dez dias que abalaram o meu mundo

Ao sexto dia disse: Intermináveis dias estes... saborosos dias de esperança para quem espera desesperadamente. Disseram que estava só, sem amarrotar palavras, apenas o coração o sabia eterno.

quarta-feira, agosto 04, 2004

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Respirar o mesmo mar

Deixar cair as palavras uma a uma na areia branca desta praia, aguardar que uma onda as apague para sempre e nos devolva, depois, todo o mar da nossa infância. Que importância têm agora as vogais, as consoantes e os pontos de exclamação, se é no odor a maresia da pele, na textura de algas dos cabelos e nas estrelas do mar que transporta o seu olhar que, submerso, queres ficar?
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And I think to myself, what a wonderful world






WHAT A WONDERFUL WORLD

I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I think to myself, what a wonderful world

I see skies of blue and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself, what a wonderful world

The colours of the rainbow, so pretty in the sky
Are also on the faces of people going by
I see friends shakin' hands, sayin' "How do you do?"
They're really saying "I love you"

I hear babies cryin', I watch them grow
They'll learn much more than I'll ever know
And I think to myself, what a wonderful world
Yes, I think to myself, what a wonderful world

Oh yeah

terça-feira, agosto 03, 2004

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Hibernação

Chove em Agosto. As cobras largam a pele. Hibernaram. O país hibernou. Eu hibernei com o país. Aliás, será que ainda existe país? Sabem...? Como diria o Abrunhosa, "pede-me a paz, dou-te o mundo"...

domingo, agosto 01, 2004

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Matéria solar

49.

Sei onde o trigo ilumina a boca.
Invoco esta razão para me cobrir
com o mais frágil manto do ar.

O sono é assim, permite ao corpo
este abandono, ser no seio da terra
essa alegria só prometida à água.

Digo que estive aqui, e vou agora
a caminho doutro sol mais branco.

(Eugénio de Andrade)