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Desporto, nações e frustrações
O desporto até é, na maior parte dos casos, uma actividade estética, saudável, apaixonante. Permite a competição e a cooperação, próprias da natureza humana, diriam alguns, sendo como tal, uma actividade tão antiga como a própria humanidade. Por isso, não vivemos sem ele. Uns praticam-no, outros assistem-no e outros ainda deleitam-se a observá-lo. Até aqui tudo bem. Mas o desporto é também, como todas as actividades que envolvem os homens tão intensamente quanto a sua própria natureza, alvo de interesses económicos, políticos, de captação de capitais financeiros ou sociais, de prestígio, enquanto escada para atingir outros fins. Aí está tudo estragado. Mas pior ainda que tudo isto é o desporto como território de nacionalismos, ou campo de batalha dos humanos com as suas próprias frustrações. Nos tempos que correm, entre nós, esta última vertente é particularmente visível na triste figura de criaturas que depositam toda a sua energia numa deslocação, pela madrugada, a um aeroporto, para aí insultarem aqueles que não cumpriram a sua obrigação de compensar as suas frustrações com um governo que não governa, um salário que não cresce, um carro que apodrece, uma casa que teima em ter prestações para pagar. Inversamente, transformam em Zeus aquele que no Olimpo lhes devolve a felicidade de honrar a Nação, que outra honra não tem senão aquela de vencer uma prova desportiva envergando a bandeira da pátria amada. Ainda que esse alguém seja o mesmo que diariamente é objecto daquelas mesmas frustrações e como tal odiado por, não sendo da Nação, nela ter procurado abrigo, coisa incompreensível para os nossos nacionalistas que depois choram, porque no fundo são uns sentimentais. Contraditório é este território do nacionalismo no desporto. Perplexos são estes tempos para os nacionalistas do desporto e desportistas da nacionalidade, quando são outros que não os nacionais aqueles que lhes devolvem a felicidade desse sentimento de exaltação a que chamam Nação. Já lá vão os tempos em que Hitler usou o desporto para tais fins. Já lá vão, também, os tempos em que a União Soviética, um Estado-nações o usou como emblema do céu na terra. Ou a RDA, na sua afirmação de país-satélite do paraíso do socialismo real perante uma RFA quartel capitalista e militar americano. Já lá vão, também, os tempos em que os EUA, evidenciavam aí a sua potência de líder incontestável do "mundo livre", perante as ditaduras da cortina de ferro. Se o desporto olímpico dá alguns sinais de esbatimento das fronteiras das nações, com atletas multinacionais, com origem nos processos migratórios intensificados à escala global; o futebol é, para quem quiser ver, um paradigma de como nos tempos globais em que vivemos, a utilização de Eusébio e Coluna, como demonstração de um Império nacional, foi lá atrás, em outros tempos sem retorno. O esforço olímpico daquele que ainda é o representante máximo desta Nação, na tentativa que já se tornou rídicula de evidenciar a Nação positiva, ganhadora e de sucesso, é o melhor exemplo do estado triste a que a Nação chegou. Veja-se a dimensão dos resultados olímpicos nacionais, quando comparados com a atenção dada ao evento por Jorge Sampaio, deslocando-se à Grécia, mostrando-se pai da Nação aos media e neles dedicando longa e maturada reflexão escrita sobre um tal tema, com uma profundidade de análise assaz avassaladora. Ao que a Nação chegou...
Morreu François Ascher
Há 15 anos
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