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OS TEMAS PROIBIDOS NA HISTÓRIA RECENTE DE ANGOLA (2)
Quando refiro a existência de temas tabu na história dos movimentos de libertação angolanos não quero dizer que haja absoluto silêncio sobre esses temas. Sei bem que muita tinta foi já derramada sobre tais temas. O que digo é que esses temas provocam incomodidade nos angolanos. No caso da questão racial, como no caso do faccionismo. E a história das facções confunde-se com a própria história do MPLA. Também nos outros movimentos existiram episódios de faccionismo, de oposição ou antagonismo às respectivas lideranças. No entanto, a existência de lideranças mais fortes, mais personalizadas, mais assentes em personagens carismáticas com projecto de poder pessoal e no culto da personalidade, na UNITA e na FNLA mais, apesar de tudo, do que no MPLA até 1979, conduziu a que o faccionismo tenha sido menos observável nos dois primeiros do que no segundo. Em todo o caso, nos "anos da mata", após 1976, a UNITA teve os seus casos de contestação da liderança, rapidamente silenciada, ao que parece, muitas vezes ainda antes que tais tentativas de faccionismo tentassem qualquer acto para colocar em questão o líder Jonas Savimbi. Silenciamento esse perpetrado, ao que se sabe, da forma mais definitiva e horrenda que imaginar se possa. Tais processos no MPLA, antes de 1977, têm contornos diferentes. Assentaram em divergências, discutidas até ao extremo das “vias de facto”, mas nem sempre culminando na eliminação de adversários, ou “faccionistas”. Foi assim com Viriato da Cruz, logo nos primeiros anos da fundação do movimento, foi assim em 1972-73 com Daniel Chipenda (Revolta de Leste), que viria a integrar uma ala quase autónoma da FNLA e mais tarde a regressar ao seio do MPLA. Foi assim com Mário Pinto de Andrade em 1974-75 com a Revolta Activa. Não haveria de ser assim com Nito Alves em 1976-77. O conhecimento que tínhamos, até há bem pouco tempo, sobre o movimento nitista, era o de uma tentativa de sublevação de um grupo de militantes, a maioria dos quais muito jovens, recrutados entre os jovens urbanos da Angola independente, que se opunham a diversos sinais de que a revolução não estaria a ser conduzida de acordo com a linha de orientação que defendiam. Segundo uns, essa linha era mais maoista, segundo outros seria mais pró-soviética, na esteira da ideia de revolução bolchevique, ou ainda na esteira do estalinismo puro e duro. Devo confessar que tais diferenças pouco me importam hoje, para o que aqui me interessa registar. O que me interessa registar são os factos. Os factos dizem que os apoiantes de Nito Alves, e os discursos e textos do próprio, se mostravam em 1975-76, contrários à filiação do país nos países não alinhados (em que Neto se afirmava próximo de Tito da então Jugoslávia); eram contrários a uma linha tida como excessivamente moderada e representada, por exemplo, pelo próprio primeiro-ministro de então, Lopo do Nascimento, por vários ministros, como António Jacinto e Paulo Jorge; eram contrários ao excesso de brancos e mestiços no aparelho de Estado, os quais carregavam na cor da pele o anátema do passado colonial e; finalmente, mostravam-se claramente contrários ao que entendiam como cedências a forças politicamente antagónicas ao modelo marxista-leninista, como foi o caso da nomeação de Fernando Falcão (fundador da FUA) para Procurador-Geral da República. Importa registar que aquele extremismo encontrava adesão fácil nos jovens revolucionários, incluindo muitos de origem portuguesa, os tais brancos e mestiços, que desculpavam a natureza racial que os discursos de Nito tantas vezes assumiam. A começar pela companheira do próprio José Van-Dunem [número dois (ou três?) de Nito], a ex-militante da organização estudantil do PCP nos anos 70’, em Portugal, quando aí se encontrava a estudar medicina. Refiro-me a Sita Vales. Devo aqui mencionar, que embora em 1977 se tenha associado o Partido Comunista Português ao nitismo, por via da sua associação ao nome de Sita Vales, tenho as mais sérias dúvidas que o PCP se tenha, alguma vez, envolvido em tal aventura. Tais rumores resultam da ideia de um Agostinho Neto, não alinhado ao PCUS, como seria pretendido pelo próprio PCUS, pelo KGB e logo, também pelo PCP. Julgo que o “não alinhamento” de Neto se fica a dever mais à fraqueza da sua liderança e à sua tentativa de conciliação de divergências internas, à sua dificuldade para lidar com as diversas perspectivas internas, à sua oscilação do rumo a seguir quando confrontado com as múltiplas pressões que então se exerciam sobre Angola e o novo poder instalado em Luanda. Pressões internacionais em sentidos diversos. Receio da posição a tomar no contexto internacional. Medo do preço a pagar pelas cedências, quaisquer que elas fossem. Mesmo a decisão de procurar ajuda na URSS e em Cuba em 1975, para fazer face à invasão do exército sul-africano do regime do apartheid, foi uma decisão que Neto acabaria por tomar a custo, como ficou claro no discurso que então proferiu. Foi essa fraqueza na liderança, e essa ambiguidade do rumo a tomar, que alimentou paulatinamente os ensejos de conquista do poder pelo movimento extremista de Nito Alves e seus apoiantes.
(Continua)
Adenda: Agradeço as correcções (já introduzidas) dos leitores Alberto e João Tunes, na caixa de comentários. Como mencionei no início, escrevo a partir, sobretudo, da memória e do conhecimento que tenho dos acontecimentos. Ambos são falíveis.
Morreu François Ascher
Há 15 anos
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