O país tem sido, nos anos mais recentes, confrontado com o problema da delinquência juvenil protagonizada por jovens de origem africana, que são na sua esmagadora maioria representantes do que se convencionou, embora erradamente, chamar de “imigrantes de segunda geração”. Trata-se, de facto, de indivíduos nascidos em Portugal, filhos de imigrantes de origem africana. Sucede, em relação a esta questão, o que é hábito suceder em relação a outros problemas sociais graves que temos em germinação no país. Os portugueses apenas acordam para o problema quando os seus efeitos se manifestam. Referimo-nos aos
media e ao poder político, em particular. Diversos especialistas têm chamado a atenção para os riscos sociais que se estão a correr, com a ausência de políticas correctas e eficazes para fazer face àqueles riscos, e cujos factores de disrupção social se vão acumulando, até que a violência e a conflitualidade social, atinjam a fase de erupção. Já muito foi dito e escrito sobre esta questão, do que subtraímos o alerta feito, nomeadamente, por
Pacheco Pereira sobre o tratamento mediático dos acontecimentos. Salvo honrosas excepções, um tratamento que se caracteriza precisamente, pela escassez de tratamento dos acontecimentos e, com frequência, pela análise sensacionalista baseada nos estereótipos sociais, sem objectividade, ou melhor dito, com uma intencional subjectividade. Por outro lado, já se enfatizou também a necessidade de não racializar o problema da delinquência juvenil, na medida em que não há comportamentos sociais endémicos a uma determinada “raça”. A delinquência juvenil existe, também entre nós, independentemente da pertença “racial” dos seus protagonistas.
Bruno Sena Martins e, de modo mais aprofundado,
Rui Pena Pires, têm chamado na blogosfera a atenção para isso. O que de específico existe, quanto às causas, no caso da delinquência protagonizada por jovens de ascendência imigrante, reside sobretudo em dois factores: (i) Uma incapacidade e impreparação do poder político e das instâncias de controlo social para lidar com o problema e (ii) a complexidade do problema, em termos identitários, de socialização e de integração social. Uma questão elementar que revela a incapacidade, ou ausência de vontade política para contrariar o problema reside numa visão ultrapassada de critérios de atribuição da nacionalidade portuguesa que deixa de fora indivíduos que nasceram em Portugal e que permanecem cidadãos "
estrangeiros na sua própria terra", como bem salienta
RPP. Este é um primeiro passo para negar direitos de cidadania a uma grande parte daqueles jovens e promover a sua exclusão. E é aqui, na exclusão social, que reside o cerne desta questão. Talvez seja útil esclarecer que exclusão social e pobreza não são sinónimos. Embora haja também situações de pobreza – carência de meios necessários para fazer face à sobrevivência acima de determinado limiar tido como razoável – não é por aí, fundamentalmente, que encontraremos as causas para o problema. Essas residem, sobretudo, nos factores de exclusão a que aqueles jovens estão sujeitos. Por exclusão social devemos entender o afastamento da participação dos cidadãos dos mais diversos níveis de exercício de direitos e deveres de cidadania. A exclusão social é uma condição social que aqueles jovens partilham com muitos outros cidadãos nacionais, jovens e adultos, em que se revela, inclusive, uma incapacidade de organizarem, com sentido de responsabilidade, as respectivas vidas, de construírem um projecto de vida, com objectivos a alcançar que não sejam a imediata sobrevivência. É, no entanto, certo que em muitos casos, a manifesta incapacidade para organizarem a própria vida determina níveis extremos de desordem pessoal, que vão até à incapacidade para o seu auto sustento. O que os estudos de terreno têm revelado, a este nível, é uma desordem pessoal e social de um grau tal que permite refutar, com razoável grau de certeza, a justeza da utilização da noção de
gang, o qual exige um nível de organização da delinquência, da violência, dos grupos que as protagonizam, e um nível de lideranças relativamente estáveis, incompatíveis com a frequente desordem pessoal e social extremas destes jovens.
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