_________________________________________________________________OS TEMAS PROIBIDOS NA HISTÓRIA RECENTE DE ANGOLA (3)Reza a história conhecida que Nito Alves desencadeou a 27 de Maio de 1977 uma tentativa de golpe de estado, tendo como propósito a eliminação física dos seus opositores internos, supostamente obrigando Neto a assumir maior firmeza, e maior clareza, no rumo da revolução, no sentido que os nitistas entendiam que ela deveria tomar. Entre esses opositores internos constavam os nomes de Henrique (Iko) Teles Carreira, Ministro da Defesa e Lúcio Lara (secretário-geral do MPLA). O primeiro haveria de desempenhar um papel chave na repressão da insurreição armada nitista. Dias depois, via-se num jornal em Lisboa, a reprodução de um fax assinado por Nito Alves, e supostamente redigido pelo seu próprio punho em que este assumia a co-autoria, juntamente com Sita Vales e José Van-Dúnem, da ordem de “eliminação física” de vários responsáveis políticos e militares. Entre eles constava o nome do então Ministro das Finanças, Saidi Mingas. Diz-se, também, que Nito Alves contaria com o apoio dos soviéticos, com vários conselheiros militares então instalados em Angola, e que tal apoio lhe haveria de falhar. Tratou-se de uma armadilha, na qual caíram os ingénuos extremistas da revolução? Foi aquele fax um documento forjado para acabar de uma vez com Nito e os seus seguidores, levando uma facção mais extremista, de facto, a ver ali uma oportunidade de manipular Neto para um maior endurecimento face às tentativas faccionistas, populistas e aventureiras, legitimando a “necessidade” de um regime menos desalinhado, menos complacente com a diversidade de perspectivas políticas dentro do MPLA e face às outras forças políticas? Estas são, entre outras, algumas das questões ainda sem resposta. O que sabemos é que na sequência do 27 de Maio de 1977, e durante os dias e meses seguintes, Nito Alves, Zé Van-Dúnem, Sita Vales e os seus apoiantes, foram presos e quase todos sumariamente executados. O que sabemos, também, é que com eles foram igualmente executados dezenas de milhar de angolanos, supostamente apoiantes dos nitistas. Fala-se em 28 mil, 40 mil, 60 mil e até 80 mil angolanos fuzilados em praça pública, ou assassinados nas prisões das diversas cidades angolanas. Isto quer dizer que o poder angolano eliminou, assim, uma parcela muito significativa dos militantes do MPLA. Mas eliminou, também, o sonho dos angolanos com uma Angola independente, mais justa, e irmanada na ideia de construção de um país novo, e diferente daquele que conheciam da opressão e desigualdades baseadas no domínio colonial. Tratou-se de uma chacina fratricida de que julgo não haver memória na história de Angola. Pouco tempo depois Neto adoeceu e haveria de morrer (segundo algumas teses, em circunstâncias misteriosas) em Moscovo, em Setembro de 1979. José Eduardo dos Santos é nomeado pelo Comité Central do MPLA, presidente da República Popular de Angola. Progressivamente, alguns nomes do topo da hierarquia angolana nos anos de 1975 a 1977, vão sendo afastados dos órgãos decisivos do governo e, aquando da constituição da Assembleia Nacional Popular, passam a ocupar o cargo de deputados, no que constitui a sua colocação numa prateleira da história. Foi o que aconteceu à quase totalidade dos brancos e mestiços. Foi o que aconteceu a Lopo do Nascimento, que após a sua saída de primeiro ministro havia passado a ministro do Plano, depois do Comércio, depois a governador provincial da Huíla e, finalmente, após a transformação do MPLA em Partido do Trabalho, em 1980, a deputado da Assembleia Nacional Popular. Há, no entanto, quem sustente a tese de que os mestiços se acantonaram em cargos partidários e militares, onde nos bastidores possuiam mais poder do que os angolanos negros que ocupavam os cargos ministeriais, reduzidos à mera execução e gestão das decisões tomadas pelo partido e pelas Forças Armadas. Uma coisa parece certa, face à natureza do poder instalado entre 1975 e 1977, serão outros os que, após 1977, ascendem ao poder e desencadeiam uma guerra sem tréguas, devastadora do território angolano e do seu povo, supostamente contra a UNITA e algumas tentativas de incursão do exército zairense em apoio dos seus protegidos da FNLA. Um pretexto para a instalação no país de uma nova ordem social, económica e política, baseada num Estado militar e respectiva economia de guerra, assente na corrupção, no livre arbítrio dos privilegiados, na organização do caos, que estrutura - se o termo é adequado -, as novas regras, novas hierarquias, novos privilégios, novos mecanismos de acesso ao poder económico. Um Estado militar baseado na ideia sanguinária e despótica da miséria extrema da maioria esmagadora de um povo e nos privilégios desmesurados, e moralmente insultuosos, de uma minoria de oportunistas, completamente alheios a qualquer noção de transformação revolucionária e justiça social. Com a morte de Savimbi culminou o grande suporte para um tal Estado militar e respectiva forma de organização política, económica e social, mas restou enraizada no país, e no povo angolano, uma lógica de vida, um modelo interiorizado de (des)organização social, que atravessando mais de uma geração de angolanos, será muito difícil agora alterar. E estamos certos que os acontecimentos desencadeados pelo 27 de Maio de 1977 foram decisivos para a situação em que o país se encontra hoje, e para matar a «sagrada esperança» de criação de uma Angola renovada.