_________________________________________________________________OS TEMAS PROIBIDOS NA HISTÓRIA RECENTE DE ANGOLAUm tema tabu na história dos movimentos de libertação de Angola é a questão racial. Trata-se de uma questão desconfortável para a generalidade dos angolanos, porque acaba por mexer com preconceitos, com discriminações e desigualdades sociais aí baseadas. Por outro lado, trata-se de uma questão complexa do ponto de vista analítico ou científico. Não há como a tratar senão a partir dos factos históricos. A verdade é que na origem da constituição das diversas forças políticas que se opuseram ao colonialismo português e lutaram pela independência de Angola, surgem claras diferenças, no que concerne à questão racial. Tanto a UNITA como a FNLA, são fundados, na sua quase totalidade, por angolanos negros. Angolanos que na sua formação não têm praticamente nenhuma relação com outras culturas que não as daquela zona de África. Angolanos, na sua esmagadora maioria, sem formação universitária. Inversamente, o MPLA é fundado fundamentalmente por um grupo de angolanos que se encontraram em Portugal a estudar nas diversas universidades portuguesas e tem uma matriz fundadora multiracial. Esta diferença haveria de marcar de modo nem sempre assumido, nomeadamente em termos formais, os conflitos entre os movimentos de libertação e mesmo no interior do próprio MPLA. Acresce a este factor a existência de uma quarta força política, constituída fundamentalmente por angolanos brancos e mestiços, a FUA (Frente de Unidade Angolana) que jamais haveria de optar, ao contrário das restantes, pela luta armada e a qual acabaria por ter uma relação paradoxalmente distante e próxima do MPLA. Distante porque a FUA não partilhava da ideologia marxista, e muito menos da ideia de "internacionalismo" da URSS e, sobretudo, do modelo cubano, que serviam de guia ao MPLA. Próxima porque da FUA haveriam de partir, rumo ao MPLA, vários militantes, conservando-se entre as duas forças uma relação de cumplicidade de "companheiros de estrada", que em vários casos partilharam as mesmas celas das prisões da PIDE. O poder constituído em Angola após a independência, em 1975, bem como os conflitos políticos entre movimentos e intra MPLA, desde 1974, haveriam de estar marcados por esta questão tabu. O primeiro presidente da República Popular de Angola será Agostinho Neto (médico e poeta negro formado nas universidades portuguesas e casado com uma portuguesa). Mas, além de Neto seriam vários os angolanos, não negros, que haveriam de ocupar lugares chave no poder em Angola, em 1975. A começar pelo número dois do MPLA, desde a fundação do movimento, Lúcio Lara. Homem que nunca viria a pertencer a nenhum governo, ou exercer cargo de grande visibilidade pública, embora fosse portador de grande poder ao nível da magistratura de influência que exercia, nomeadamente através da cumplicidade com Neto, proveniente de uma amizade sedimentada nas lutas a partir da universidade em Portugal. Depois, temos o Ministro da Defesa, Henrique Carreira, o Ministro da Justiça, Diógenes Boavida, o Ministro da Educação, António Jacinto do Amaral Martins, o Ministro das Relações Exteriores, Paulo Teixeira Jorge. Jonas Savimbi costumava referir-se ao MPLA - nunca nos seus discursos e entrevistas no estrangeiro, ou para os órgãos de informação internacionais - mas nos seus comícios, como um “movimento de mestiços”, em tom que evidenciava claramente um ódio de natureza racial. Mas esse ódio racial vinha também a lume, subtil ou frontalmente, por parte de alguns desses “mestiços” que militavam nos vários níveis da hierarquia no poder em 1975 e 1976. Tanto em relação a Savimbi e seus correligionários, como em relação aos seus próprios ascendentes “de raça branca”. O interior do MPLA era, também, atravessado pela questão racial. Nem todos os angolanos negros que militavam naquele movimento partilhavam do percurso político, e de vida, de Agostinho Neto e outros fundadores do movimento. A escolha de Fernando Falcão (angolano branco e um dos fundadores da FUA) por Agostinho Neto, para Procurador-Geral da República em 1976, viria a tornar-se no acto que fez transbordar o copo, já cheio, para a “paciência” daqueles que defendiam uma visão mais restritiva do exercício do poder em Angola, após a independência. Dir-nos-ão esses que a questão não era racial mas política. Da memória que temos das intervenções, discussões e opiniões que à “boca pequena” se tinham nesses tempos, e que testemunhámos presencialmente, não temos grandes dúvidas que a questão era, para alguns, também uma questão racial. Falo, em particular, de um grupo dentro do MPLA, constituído fundamentalmente por jovens, que desde cedo começaram a citar e referenciar elogiosamente, as intervenções do então Ministro do Interior (Administração Interna), Nito Alves, também ele mais jovem do que a maioria dos seus colegas de governo e com um percurso de vida que não havia passado por Portugal, mas sim directamente do Liceu Salvador Correia em Luanda, para a 1ª Região Político-Militar do MPLA, para a mata, em 1966, com 21 anos.
(Continua)