segunda-feira, abril 03, 2006

Literatura, macdonalds e auto-plágios

1. Grandes autores, por exemplo da sociologia, escreveram parágrafos e parágrafos exactamente iguais em livros distintos. Certamente porque achavam importante o conteúdo desses parágrafos, e o que neles era escrito (ou re-escrito) constituía um leitmotiv das suas teorias. Reescrevê-los com recurso a sinónimos seria trabalhoso e desnecessário, porque não se tratava de plágio. Acredito que tais repetições também ajudavam ao volume de saber de páginas feito. Mas será isso ilegitimo? Não creio. Tal estilo de auto-citação dispensa a auto-referenciação blibliográfica, a que tanto se recorre na produção científica, e que obriga à leitura, ou consulta, do texto auto-citado e potencia o lugar nos rankings das citações dos autores das áreas científicas. No paradigma actual, em que quase não se publicam livros científicos de grande volume e em que o número de citações é o critério decisivo da avaliação do mérito dos autores-cientistas, o auto-plágio demonstraria inclusive, caso ainda se praticasse, uma postura de "excesso de honestidade intelectual". Em qualquer dos casos, aqueles autores, independentemente de se re-escreverem, continuaram a ser grandes autores da sociologia.

2. No caso da "literatura light", em que o objectivo primeiro é o sucesso de vendas, e esse depende de um conjunto de técnicas-truques, compreende-se ainda melhor o recurso ao "auto-plágio" de excertos que se julga serem bons no fim a que a respectiva produção se destina: a venda de livros de leitura fácil, destinados, portanto, a um certo consumo de massas. Aquele tipo de livros está para a literatura, como os MacDonalds estão para a restauração. Nunca vi crítica gastronómica sobre hamburgers da fast-food. Não percebo, pois, por que razão a crítica literária se sente tão indignada com a fast-food da literatura, a não ser porque esse tipo de literatura vende livros em quantidades só equiparáveis aos hamburgers vendidos pela MacDonalds. O facto da MacDonalds vender que se farta, não é o motivo pelo qual eu prefiro outro tipo de restauração. Em todo o caso, sempre direi que a MacDonalds é a marca mais bem conseguida, no ramo da fast-food, segmento hamburgers. Independentemente dos hamburgers serem produzidos segundo um princípio de "linha de montagem", sempre iguais, eles são o que há de melhor no ramo da fast-food. Para um consumo de massas, portanto. Por outro lado, devo acrescentar que preferia que todas as pessoas tivessem uma alimentação correcta (eu próprio incluído). Mas, mal por mal, sempre acho preferível saber que as crianças do mundo desenvolvido se empanturram de hamburgers, do que saber que noutras paragens as crianças morrem de subnutrição.

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