sexta-feira, outubro 15, 2004

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Tudo isto é triste. Mas tudo isto será fado?

De seguida um excerto de mais uma brilhante análise de Augusto Santos Silva. A melhor síntese do momento que o país vive e a necessária pergunta: Vamos permanecer aqui? Neste patamar tão rasteiro da civilização? Isto não é já uma questão partidária ou sequer política. Isto é uma questão mais básica do que a cidadania. É uma questão de nível moral e de civilidade, no sentido dos padrões mínimos exigíveis à civilização na qual julgo que nos inserimos. Mas a análise de Santos Silva deve interpelar-nos a todos, e aos que detêm responsabilidades políticas em primeiro lugar, sobre o que fizemos deste país, permitimos que outros fizessem ou deixámos de fazer o que deveria ter sido feito.

"Tudo isto é comunicação", dizem-nos. Pois é: mas no modo da manipulação alienante. E é aqui que convergem os vários planos do sistema de dominação simbólica que se está implantando nas sociedades com pouca tradição democrático-liberal e fraca cultura civil, como a nossa. As audiências acorriam à TVI, ao domingo, para se regalarem com vários circos. Das celebridades, queriam e querem saber quando é que o actor porno ataca o magrinho efeminado, quando é que se despirá a apresentadora que está lá porque se despe, ou até quando resiste o autarca que pontapeia cadeiras à tentação de esbofetear alguém. Do prof. Marcelo, pretendiam bicadas distribuídas em todas as direcções, incluindo, como mais picantes, as que fustigassem os seus próprios parentes políticos. Do jornal televisivo, queriam o drama em directo, a emoção rápida, a crucificação expedita de qualquer "poderoso". As Cinhas do momento faziam a ligação de tudo isto: estrelas da vida mundana, amigas dos líderes políticos, engomadeiras e feitoras de quinta, a troco de dinheiro, muito dinheiro. Eram e são os símbolos de um novo regime de propriedade, influência social, degradação moral, comunicação pública e poder político, que é o único que Paulo Portas e Santana Lopes conhecem e o único em que se sentem bem - como peixes na água, ou devo dizer como animais na quinta?

Não sejamos, pois, agora hipócritas. O silenciamento de Marcelo foi apenas mais um passo. Outros houve antes, na mesma direcção: Morais Sarmento na RTP e na central de comunicação, Luís Delgado na Lusa e na Lusomundo Media, Fernando Lima no "Diário de Notícias", exclusivos espontâneos no "Expresso", declarações políticas em cemitérios, e por aí adiante. Para o Governo da nossa direita e para os campeões da nossa televisão, comunicação não é apenas fingimento, simulacro ou ilusão; é também, e sobretudo, propaganda, manipulação, condicionamento. Esse é o único ar que sabem respirar. E, como esse ar é irrespirável por gente civilizada, o que a gente civilizada tem de dizer é se está disposta a romper com isto, ou se preferirá fazer o papel do idiota útil, aquele que só clamará contra Berlusconi quando Berlusconi já estiver confortavelmente instalado dentro de sua casa.

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