quinta-feira, setembro 16, 2004

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O cavaquismo, as barracas e a sua "erradicação"

A propósito de um post noutro blog comentando um episódio ocorrido na Câmara Municipal Porto, Pacheco Pereira aproveita para afiar, uma vez mais, a unha e enterrá-la no Bloco de Esquerda. Não é, no entanto, a obsessão de JPP com o BE que vou comentar. O que pretendo é apenas esclarecer que embora o Plano de Erradicação das Barracas, mais conhecido por PER (Plano Especial de Realojamento), tenha sido, de facto, uma ideia do cavaquismo, a verdade é que o PER foi para o terreno em 1993, sendo portanto, na sua quase totalidade, implementado não pelo cavaquismo mas sim pelo guterrismo, após 1995. Se é certo que o PER não permitiu erradicar todas as barracas das duas áreas metropolitanas do país, como estava previsto, permitiu reduzir drasticamente o seu número. Tal facto possibilitou uma "limpeza" da imagem urbana das duas AM's, mas ainda assim deixou por resolver o problema estrutural que conduziu as populações das barracas a residirem, se assim se pode dizer, naquele tipo de alojamento degradado. Esse problema é a pobreza urbana e sobretudo a exclusão social que impede aquelas pessoas de optarem por outro tipo de habitação. Ora, o que se fez com o PER, e aí as responsabilidades são também partilhadas pelo PSD e pelo PS, foi transladar um problema social das barracas para edifícios de apartamentos, construídos maioritariamente em altura, para uma população que não possui hábitos enraizados de vida em tal modelo habitacional. Acontece que, por via disso, alguns dos problemas não só não se resolveram como se agravaram e criaram-se, inclusive, em alguns bairros de realojamento, novos problemas sociais. A cegueira e surdez, ou o autismo, da maioria dos nossos políticos, autarcas incluidos, fez com que muitos desses bairros que erradicaram as barracas sejam, actualmente, bombas-relógio do ponto de vista social. Acresce que, também aqui, a administração central passou uma parte da "batata quente" para as autarquias, sem se preocupar se estas teriam os meios, financeiros e de competências (recursos humanos técnicos e saberes especializados) para fazer face ao problema. Refiro-me à necessidade de planeamento urbanístico e social que foi muito frágil, para não dizer inexistente, na maioria dos casos. A ausência desses recursos por parte das autarquias, não as iliba, no entanto, das suas responsabilidades no fracasso, a médio prazo visível, do PER, mas também aí não estão isentos de culpas tanto o guterrismo como o cavaquismo de que JPP continua adepto. De facto, o problema é muito mais complexo do que a "grande visão reformista" de alguns políticos pode alcançar. Mas não fossem eles autistas como são e as soluções teriam sido bem diferentes. Assim sendo, a bomba-relógio vai explodir-lhes dentro de alguns anos, no colo.

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