sábado, maio 01, 2004

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1º de Maio


Numa breve viagem pelos blogues à procura das referências ao 1º de Maio, encontrei apenas referências, com recurso à imagem, a uma visão arqueológica do trabalho. É uma visão do dia do trabalhador que remete para a sua origem. O trabalho manual da industria pesada. O trabalho penoso que motivou os movimentos emancipatórios de meados do século XIX a meados do século XX. Essa modalidade do trabalho persiste nas sociedades contemporâneas, sendo no entanto minoritária, para não dizer residual, no mundo desenvolvido da nossa contemporaneidade. Por isso, aos movimentos emancipatórios que emergiram no século XIX, importa fazer acrescer uma dimensão ética, fulcro das “políticas da vida” que, como sugere A. Giddens, estão no cerne da modernidade na sua fase avançada.

No Público de hoje, Augusto Santos Silva escreve, mais uma vez, com a qualidade de análise, visão de futuro, sensatez de argumentos e uma perspectiva que anula tanto uma visão dos problemas contemporâneos à luz de um passado sem regresso, como uma óptica que encare o futuro como uma estrada de uma só via. As visões redutoras do que está em causa nas mudanças sócio-económicas, que temos vindo a presenciar, venham elas do sector que vierem, deveriam reflectir, assim o conseguissem, sobre esta análise de ASS. Desta feita, discorre sobre o lugar do sindicalismo no mundo actual e os desafios que se lhe colocam. A postura que sugere para o sindicalismo contemporâneo é, do meu ponto de vista - tenho-o cada vez mais como certo - a única postura portadora de futuro. De todo o texto destaco este excerto, que julgo conter o cerne da questão, em que ASS menciona que o sindicalismo deveria:

"Trazer para o primeiro plano a qualidade da organização e das relações humanas no trabalho e com a sua envolvente, familiar ou comunitária. Trata-se de, no bom sentido da expressão, politizar o trabalho, isto é, questionar a qualidade das relações de poder e autoridade, as oportunidades e formas de participação, as condições materiais e imateriais de remuneração do esforço e do mérito de cada um, a dignidade e igualdade moral. Quem despreconceituadamente compara bons e maus casos de produtividade depressa nota que, mais do que a legislação, é a natureza qualitativa da organização do trabalho e tecnologia o factor determinante".

Permito-me apenas acrescentar que, do outro lado desta “moeda”, será necessário que estejam empresas e empresários que valorizem igual perspectiva. Empresas e empresários socialmente responsáveis, isto é, que tomem como adquirido que o verdadeiro desenvolvimento económico reside no capital humano e no capital social que a sua actividade pode gerar. Investir no capital humano da empresa é investir nas condições de trabalho, na formação e qualificação e capacidade de adaptação dos trabalhadores às necessárias reestruturações produtivas da economia. Investir no capital social é investir no meio envolvente, tanto em matéria ambiental como do ponto de vista do desenvolvimento social desse meio, participando activamente no desenvolvimento do contexto territorial em que a empresa se insere.

Só essa perspectiva empresarial permitirá atingir níveis de competitividade sustentada. Assentes, não em factores primários, de curto prazo, como sejam o custo de mão-de-obra, de energias e matéria-prima, mas inversamente, nos factores avançados da competitividade: qualificação do trabalho, participação nas redes de inovação tecnológica e organizacional e capacidade de retirar dividendos dessa inovação, e participação nas redes de regulação social do território em que se inserem. A participação na criação de um meio favorável, em termos da sua qualidade de vida, da capacidade da sua inovação social, económica e cultural, da sua dinâmica económica e da sua vitalidade sócio-demográfica, são no mundo desenvolvido actual, imperativos das condições de competitividade sustentada. Só uma tal perspectiva empresarial se enquadra numa lógica de desenvolvimento sustentável que importa construir no presente para garantir o futuro, de trabalhadores, de empresários, de cidadãos. Numa palavra: da humanidade.

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