domingo, abril 11, 2004

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Responsabilizemos o terceiro sector mas não desresponsabilizemos o Estado

Num post intitulado Associativismo ou negócio?, o Blasfémias lança um libelo sobre as associações e sobre as instituições particulares de solidariedade social (IPSS). Tem razão o Blasfémias quando menciona as deficiências de gestão e o desperdício de recursos que aí abundam. Perde toda a razão ao generalizar que aquelas entidades “mais não servem do que os interesses dos seus dirigentes, transformados em instrumento da omnipresença do Estado na vida corrente dos cidadãos”.

Em primeiro lugar, tal afirmação revela algum desconhecimento daquela realidade. O autor do post escreve a partir dos pré-conceitos da sua perspectiva política (que conhecemos) para a realidade, ao invés de buscar na realidade os argumentos para formar a sua perspectiva política sobre a questão.

De facto, não é possível atribuir, genericamente, às associações e IPSS uma subordinação aos “interesses dos seus dirigentes”. Não nego que tais situações existam, no entanto, não são generalizáveis.

Em segundo lugar, numa sociedade como a portuguesa as associações e, sobretudo, as IPSS desempenham a nível local, de proximidade aos problemas e aos cidadãos, um papel insubstituível, onde o Estado pode cada vez menos actuar directamente e onde, provavelmente, aquele papel estará cada vez mais nas mãos dos cidadãos organizados, ou de um terceiro sector das nossas sociedades. Não se trata, portanto, da “omnipresença do Estado”.

Se falamos de financiamento, devemos referir que esse financiamento Estatal é feito por comparticipação e não exclusivamente pelo Estado. Comparticipações financeiras essas que são igualmente conferidas às instituições privadas do sector com fins lucrativos. E poderiam as entidades do terceiro sector auto-sustentarem-se, num país com o nosso nível de desenvolvimento socioeconómico? A questão reside, isso sim, na necessidade de maior exigência e responsabilização de tais entidades, em matéria de administração e de gestão rigorosa dos recursos ao seu dispor. Mas essa exigência é aplicável tanto às IPSS como às empresas do sector. Ambas são deficitárias, em competências de gestão e de trabalho planeado, para uma melhor rentabilização de recursos e para uma maior eficácia e eficiência do trabalho que desenvolvem.

Acresce que os casos mais escabrosos de deficiente prestação de serviços naquele sector provêm de algumas entidades de natureza lucrativa e não das IPSS. Quando se fala, cada vez mais, de responsabilização social das empresas, porque razão seríamos apenas exigentes com as IPSS e não olharíamos também para as empresas privadas que, sendo do sector, têm responsabilidade social imediata?

No que concerne, em particular, às IPSS, o que importa, de facto, é conferir crescente capacidade de gestão modernizada a essas entidades e tal passará, necessariamente, por uma qualificação e renovação dos seus dirigentes, dos seus técnicos e restante pessoal, de modo a maximizar os resultados do seu imprescindível trabalho numa sociedade onde o Estado será cada vez menos a entidade maioritária nos sistemas de protecção social.

O que o Estado não pode, no entanto, ainda que alguns apelos e tentações caminhem nesse sentido, é desresponsabilizar-se da participação na regulação social. Por maioria de razão, numa sociedade e numa economia como a portuguesa, o Estado, tem ainda muito a fazer ao nível do investimento público no sector da acção social, da educação, da saúde, da cultura.

Por outro lado, o Estado não pode, muito menos, desresponsabilizar-se da coordenação das politicas sociais e da avaliação da sua implementação, em conjunto com os demais agentes envolvidos, nomeadamente no que concerne ao trabalho de terreno protagonizado pelas IPSS, precisamente para contrariar o desperdício de recursos e conferir eficácia ao trabalho por elas desenvolvido.

Se queremos que o Estado dê espaço à “sociedade civil”, mas impedindo que essa “sociedade civil” sirva interesses particulares e desperdice recursos; então, temos de exigir um papel mais activo (com mais presença do Estado) na fiscalização e avaliação permanente do modo como esses recursos são utilizados. Avaliação cientificamente rigorosa, mas também com o envolvimento das IPSS, de modo a que não se confunda com a fiscalização (do Estado) e seja, também, um processo de aprendizagem e de formação. Precisamente, tendo em vista a desejável melhoria da qualidade da prestação daquele serviço à comunidade e uma mais eficiente e eficaz utilização dos recursos que são de todos nós. Ou não será?

(continua)

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